O Matuto gosta de palavras. Mesmo quando era Matutinho, o Matuto tinha o hábito de tentar descobrir a origem das palavras. Naturalmente, que o Matuto é um leigo nesta área. Por isso mesmo o Matuto tem uma santa inveja do Professor Marco Neves que sabe tudo sobre a etimologia das palavras Portuguesas. No seu blog e podcast Marco Neves vai deliciando os Portugueses com a sua erudição na língua. Sobre a palavra “vírus” ele escreve que “por alturas do Império Romano, “vírus” designava um veneno ou um líquido fétido de origem animal. Teria também outros significados. Depois desapareceu da boca dos falantes até que um cientista holandês de nome Martinus Beijerinck descobriu que algumas doenças eram transmitidas por qualquer coisa ainda mais pequena que as bactérias. Para se referir a estes micróbios (que estão na fronteira entre os seres vivos e os seres não vivos, pois só sobrevivem usando uma célula de algum ser vivo), Martinus lá foi abrir o velhinho dicionário latino e encontrou a palavra «virus». Decidiu baptizar os pequeníssimos germes com esse velho nome latino”. Marco Neves diz que o termo “vírus” já surgiu n’Os Maias de Eça, antes de ser tão amplamente usado nos nossos dias. “Os collegas diziam que o Maia, rico, intelligente, avido de innovações, de modernismos, fazia sobre os doentes experiencias fataes. Tinha‑se troçado muito da sua idéa, apresentada na Gazeta Médica, a prevenção das epidemias pela inoculação dos vírus. Consideravam‑no um fantasista”. Além disso, o professor nasceu em Peniche, portanto é um tipo fixe – garante o Matuto. Bom, adiante que se faz tarde!
Por causa do seu gosto pelas palavras, o Matuto decidiu elencar as 10 palavras mais bonitas em Português. Para tal, o Matuto usou de algumas estratégias. Desconsiderou completamente as palavras sem sal, como “chuchu” – palavra adequada a esse fruto sem graça e sem sabor. De parte ficaram palavras estapafúrdias como por exemplo, “papelão”. O Matuto acha essa palavra feia e sem imaginação. Será que o sufixo ‘ão’ se refere ao tamanho do papel? Será que tem a ver com o material? E depois coloquialmente pode usar-se assim: “ele fez cá um papelão!”… Não! O Matuto não gosta da palavra. Depois havia palavras com uma sonoridade intrigante e até charmosas, mas pouco elegantes. Exemplo: bricabraque. Misericórdia! Que palavra agressiva. Também não mereceram atenção, os estrangeirismos. Nada de ‘update’, ‘delete’, ‘coach’, ‘shopping’, ‘stress’, ‘networking’, ‘selfie’, ‘software’, ‘show’, ‘deadline’, ‘like’ (dá-me um ‘like’, é absolutamente aberrante!), ‘make-up’, ‘hobby’, ‘fast-food’, etc. Palavras esotéricas também foram descartadas. Vocábulos grotescos não foram contemplados. Assim como palavras de sentido dúbio, como “algo”, ‘coisa’, ‘ambiente’, ‘espécie’, ‘aspecto’, etc.
Assim, o Matuto está em condições de informar que as dez palavras mais bonitas da língua Portuguesa são (a ordem é indiferente): alvorada, mar, luz, brisa, melodia, morango, tranquilidade, ternura, esperança e beijo. Naturalmente que as palavras trazem uma bagagem de significados e de memórias afectivas que dão cor, densidade e música, consoante a pessoa que as profere. E por vezes são as combinações de certos termos que impactam. Mar sereno, brisa suave, enseada amena, abraço caloroso, noite tranquila, olhar profundo e sussurro alegre, são tudo parcerias que transmitem paz e harmonia.
Um elegante artesão das palavras foi Fernando Pessoa – recorda o Matuto. Especialmente no seu “Livro do Desassossego”, Pessoa brinca com as palavras de forma tão livre, porém complexa que encanta. A sua melancolia por causa da sua multifacetada identidade revela-se neste verso: “Sou um sujeito que não sabe o que é, um eco de vozes perdidas”. Reflectindo sobre a existência Pessoa afirma que “Viver é sentir-se vivo em meio ao tédio”, usando metáforas para dar conta da sua solidão: “A chuva cai como um lamento do céu”. A própria natureza do real é questionada: “O que é a vida senão um sonho que se desfaz ao acordar?” E, notem as lutas interiores que cada um sente neste verso: “Acho que sinto a vida em mim, mas não sei se a vida me sente”. E ainda a música e o ritmo poético de: “O vazio é a casa da alma”.
Serão estes porventura os versos mais bonitos da língua portuguesa!? Talvez! Mas isso será matéria para outra crónica – pontua o Matuto.