O Estoril Classics permitiu rever fantásticos carros que se tornaram ícones do desporto automóvel nas últimas décadas. Atualmente é tudo muito diferente. Os carros estão carregados de tecnologia e o motor de combustão surge associado ao motor elétrico por uma questão ambiental. Para muitos perdeu-se a essência das corridas. É para esses que existem eventos como o Estoril Classics, que conserva o espírito old school automóvel. O maior evento de clássicos do sul da Europa terá nova edição entre 3 e 5 de outubro de 2025 no Autódromo do Estoril, circuito que pode ganhar maior protagonismo no automobilismo graças à Câmara Municipal de Cascais.
É sempre um gosto ver e ouvir os Fórmula 1 do tempo em que faziam barulho a sério, os pilotos lutavam roda com roda por uma posição e não havia regulamentos absurdos a estragar o espetáculo, feitos por quem nunca se sentou num carro de corrida. Foi verdadeiramente emocionante ouvir o motor V12 3.0 do Alfa Romeo 182 (ex-Andrea de Cesaris) num circuito que ficou na história pela primeira vitória de Ayrton Senna (1985), pelo duelo a 300 km/h entre Alain Prost e Ayrton Senna (1988), mas também pelo espetacular voo do Williams de Ricardo Patrese (1992) e a ultrapassagem “impossível” de Jacques Villeneuve a Michael Schumacher (1996). A corrida de Fórmula 1 contou com 17 monolugares que correram entre 1973 e 1983, e venceram 24 corridas e seis títulos mundiais, com a particularidade de manterem a decoração da época. À exceção do Alfa Romeo 182 que estava equipado com o motor V12 com 525 cv que fazia 13.000 rotações, todos os outros tinham montado o icónico V8 Ford Cosworth, que começou nos 460 cv e chegou aos 535 cv.
Um dos carros mais interessantes que passou pelo Estoril foi o Tyrrell P34 de seis rodas (chassis 009), que se estreou no GP de Espanha de 1976 com Patrick Depailler. Este monolugar está avaliado em um milhão de euros. Na década de 70, a equipa de Ken Tyrrell era das mais competitivas da Fórmula 1 e foi campeã do mundo em 1971 e 1973 com Jackie Stewart. O aparecimento de um carro de seis rodas, com duas rodas de tração atrás e quatro rodas direcionais à frente trouxe um toque de inovação, embora não tivesse ganho qualquer título. Segundo Derek Gardner, responsável pelo Projeto 34, esta solução permitia menor arrasto aerodinâmico já que os pneus dianteiros mais pequenos ficavam escondidos pela asa dianteira e isso permitia uma passagem do ar mais eficaz. A validade do projeto foi comprovada pela vitória no GP da Suécia com Jody Scheckter e com o segundo lugar de Patrick Depailler, naquela que foi o único triunfo de um carro de seis rodas na Fórmula 1. No final da temporada, o Tyrrell P34 tinha conseguido uma vitória e dez pódios e garantiu à equipa o terceiro lugar no campeonato de construtores, a 12 pontos da campeã Ferrari. A Tyrrell manteve o P34 na época seguinte, mas os resultados foram pouco animadores. A diferença de performances cifrava-se em dois segundos por volta, por essa razão Patrick Depailler e Ronnie Peterson conseguiram apenas quatro pódios, e, no final da época, o projeto foi abandonado.
Campeões do mundo
Pela pista do Estoril passaram outros carros que foram campeões do mundo nas décadas de 70 e 80. A Lotus esteve representada com dois monolugares com grande ‘pedigree’ e com a bonita decoração John Player Special. O Lotus 72 permitiu a Emerson Fittipaldi vencer quatro corridas e sagrar-se campeão do mundo em 1972. Outro carro importante na história da Fórmula 1 foi o Lotus 78, o primeiro monolugar com efeito de solo. O carro que esteve no Estoril permitiu a Gunnar Nilson ganhar uma corrida na temporada de 1977. Foi ao volante do Lotus 78 que Ronnie Peterson teve o acidente que o vitimou, em 1978. O piloto sueco alinhou para o GP de Itália com o carro de reserva uma vez que o Lotus 79 teve problemas mecânicos.
O Williams FW08 que permitiu a Alan Jones ser campeão do mundo em 1980 foi outro dos monolugares em destaque no Estoril Classics. Este carro marcou o início dos anos de ouro da equipa inglesa. Igualmente marcante a presença do McLaren M26 com que James Hunt ganhou três corridas em 1977. Outros carros superiormente conduzidos à época foram o Lola Embassy T370, usado por Graham Hill em 1974, e o Hesketh 308 com que James Hunt venceu o Troféu Internacional BRDC em Silverstone, corrida que não contava para o Mundial, em 1974. Foi seguramente com nostalgia que todos assistiram à passagem do Tyrrell 012 que, há precisamente 40 anos, era conduzido pelo extraordinário Stefan Bellof. O melhor de todos foi Soheil Ayari, com o Ligier JS21, que repetiu o triunfo do ano passado. Um resultado perfeitamente normal, pois era o único ex-piloto presente nesta corrida, embora nunca tivesse estado na Fórmula 1. Mark Harrison com Shadow DN9B que foi tripulado por Elio de Angelis em 1979 aproveitou a desistência de Ayari para ganhar a segunda corrida.
Joias em pista
Mas o Estoril Classics foi muito mais do que Fórmula 1. O programa juntou mais de 300 carros de corrida produzidos entre 1950 e 2000 e teve 13 corridas diferentes, incluindo Sports Cars, GTs e Turismos. Cada uma das grelhas tinha a sua própria identidade, definida por uma disciplina e pela data. A categoria Endurance Racing Legends tinha carros verdadeiramente espetaculares, caso do Maserati MC12 GT1 com o poderoso motor V12 de 630 cv conduzido por Dario Franchitti, piloto que teve enorme sucesso nos EUA com quatro títulos na Fórmula Indy e três vitórias nas 500 Milhas Indianápolis. Outro carro que se destacou pela velocidade em curva era o Lotus Elise GT1 com 550 cv que disputou o campeonato do mundo FIA.
Este evento possibilitou um reencontro curioso. Em 2003, uma equipa portuguesa formada por Pedro Matos Chaves, Ni Amorim e Miguel Ramos disputou o campeonato FIA GT com o Saleen S7-R equipado com motor V8 7.0 de 550 cv. Passados 21 anos, esse carro voltou ao Estoril, com a mesma decoração da altura, conduzido por Steve Brooks.
A Classic Endurance Racing representa um dos períodos mais emblemáticos das corridas de resistência, com os carros a lutarem lado a lado nas longas retas a mais de 300 km/h. Um dos carros que melhor representa essa época é o Ford GT40, com o qual a marca americana conseguiu quebrar a hegemonia da Ferrari, como está bem documentado no filme Le Mans 66: O Duelo. Outro modelo marcante foi o Lola T70, estiveram 10 exemplares de três versões diferentes. A categoria inferior foi dominada pelos protótipos, apesar da oposição dos poderosos Porsche 935. O Iberian Historic Endurance juntou em pista modelos produzidos entre 1950 e 1965. Foi extraordinária a luta entre clássicos da época como o Ford GT40 e os Shelby Cobra, nas versões 289 e Daytona Coupe.
A categoria Gentleman Challenge teve ligações a Portugal. Um dos carros participantes foi o Tojeiro EE de 1965, conduzido por Afschin Fatemi. O carro foi construído por John Tojeiro, um português que emigrou para Inglaterra e começou a fazer carros de competição. Foi dos primeiros desportivos com motor em posição central traseira e podia receber um motor Jaguar, Buick ou Coventry Climax.
Do estirador para a pista
O Estoril Classics proporcionou outro tipo de experiências a nomes bem conhecidos. Adrian Newey, considerado o melhor projetista da história da Fórmula 1, trocou o gabinete e o estirador pela bacquet do Ferrari F430 GTC Evo da categoria Endurance Racing Legends, e conseguiu dois pódios na sua categoria. Newey é um colecionador de automóveis antigos, tendo participado nas corridas Le Mans Legend com o Ford GT40 e Jaguar E-Type.
Outra figura bem conhecida da Fórmula 1, Zak Brown, CEO da McLaren Racing, esteve bastante ocupado este fim de semana, já que participou na corrida Heritage Touring Cup com um impressionante Ford Capri RS 3100 de 470 cv e na Classic Endurance Racing com o Porsche 935 com 845 cv, fazendo equipa com Tom Kristensen, nove vezes vencedor das 24 Horas Le Mans. Na primeira corrida desistiram por falha nos travões e na Endurance terminaram na 13.ª posição.