Escrevo este artigo na noite do dia 1. Não sei se até ao momento da sua vinda a público haverá um acordo parlamentar relativo ao OE para 2025.
A atenção pública parece-me desfocada. Discute-se a semiótica das negociações – quem escreve a quem, quem visita quem, se o faz vela ou abertamente, sorridente ou taciturno -, promove-se um totobola sobre a sua aprovação – sim, não, talvez, com este ou aquele voto – e desenham-se cenários apocalípticos, que não hesitam em municiar-se com as guerras na Ucrânia e Médio Oriente e as eleições americanas, – eleições antecipadas, duodécimos, PRR e interesse nacional em perigo. Nunca se fala da substância. E a substância é saber se aprovar orçamento, qualquer que ele seja, é melhor do que a alternativa. O Presidente claramente pensa que sim, que deve haver um acordo entre PS e PSD, qualquer que ele seja, desde que permita passar o OE 25.
Não quero discutir se esta ou aquela rubrica deve crescer uns pozinhos ou se se deve afetar mais um milhão aqui ou acolá. Francamente estes detalhes miúdos são pouco importantes. Uma grande fração do orçamento está predeterminada, resulta da necessidade de financiar a máquina do Estado, de programas preexistentes ou de decisões passadas. Existe pouco de muito significativo que um orçamento possa fazer sem atacar seriamente a despesa (ou seja a dimensão e papel do Estado), mas um OE não é o instrumento apropriado para tal. Entre o pouco que pode fazer contam-se os sinais políticos que transmite.
Três sinais de posicionamento da governação são particularmente relevantes: prudência, preocupação com o futuro e compreensão da importância dos incentivos a trabalhar e investir. Prudência, significa não por em causa a sustentabilidade do longo prazo da posição orçamental (o que é diferente de contas certas ou excedentes correntes). Preocupação com o futuro significa, neste contexto, que Portugal não pode continuar a ser o país da EU com menor peso do investimento público no PIB, e onde se assiste há anos a uma redução do próprio stock de capital, em paralelo com uma degradação da infraestrutura e serviços. Finalmente, é necessário atacar a lógica de uma fiscalidade à ‘Robin dos Bosques’, obcecada com a progressividade, que considera os remediados como sendo ricos que é necessário tributar mais. É precisamente neste aspeto que nos podemos aperceber quanto o PS guinou à esquerda com Pedro Nuno Santos: as suas ‘linhas vermelhas’, a origem funda da sua oposição à reforma do IRS jovem e ao alívio do IRC, decorrem de sua convicção que a função redistributiva dos impostos se deve acentuar e, como tal, qualquer alívio da progressividade fiscal deve ser combatido; o ‘modelo de sociedade’ que diz não querer comprometer é o do socialismo radical à lá Corbyn, bem distante da moderação da terceira via.
Não gosto da proposta do IRS jovem – como a generalidade dos economistas estou certo que não produzirá o efeito desejado na retenção de talento jovem – e preferia que a redução de IRS abrangesse todos os cidadãos. Mas, como a tributação do trabalho já é demasiado alta e agressivamente progressiva, saúdo qualquer iniciativa que a alivie em ambos os planos. E quanto ao IRC nem se fala: a sua progressividade é um ónus à acumulação de capital físico e humano e à capacidade de oferecer bons empregos. Não obstante a sua modéstia, estes são sinais positivos que devem constituir bandeiras de um governo que pretende promover a economia de mercado e a iniciativa privada. Constituem uma verdadeira fronteira entre os campos socialista e não socialista. O Governo não deve abdicar deles. Antes, deve apelar a todo o campo não socialista para os aprovar. O OE 25 não é como Paris, que vale bem uma missa.
Professor universitário