No já longínquo ano de 2008, participei numa conferência no Lobito, em Angola, na qual fui convidado para falar sobre diplomacia económica. Introduzi, na altura, um tema que considerava estratégico no longo prazo do país e da região austral do continente: o ‘corredor do Lobito’. Para minha desilusão, o tema não foi tão bem acolhido quanto pensava poder ser.
Falei então do tema, sobretudo, do ponto de vista económico, articulando o Porto do Lobito com o caminho-de-ferro de Benguela, enquanto infraestruturas essenciais para a saída das matérias-primas do interior de Angola, do ‘copper belt’ da Zâmbia e das minas da República Democrática do Congo.
O mundo de 2008 não era similar ao de 2024. Ainda vivíamos os anos de encantamento da globalização. A China aderira à OMC em dezembro de 2001 e o ‘Ocidente’ estava focado na luta contra o terrorismo. O Presidente dos EUA era George W. Bush, o chefe de Estado chinês era Jiang Zemin. Poucos meses depois surgiu a crise do ‘subprime’ e, como alguém disse, ‘o mundo mudou’.
De então para cá a perspetiva de um mundo globalizado aberto alterou-se, e um novo ‘mundo de muros’ está à vista. O corredor do Lobito transformou-se, assim, de uma infraestrutura integrada num sistema internacional económico aberto, para uma infraestrutura de um novo ‘sistema internacional de contenção’, integrado numa disputa estratégica pelo acesso às mesmas (e outras) matérias-primas para uns, impedindo o acesso a outros. Curiosamente, porque essas matérias-primas se tornaram fundamentais nas revoluções digitais do século XXI, o acesso de uns às mesmas e a negação desse acesso a outros tornou-se crucial.
Veja-se, pois, como tudo mudou. Em 2008 Angola estava em transformação, financiada pelos empréstimos chineses garantidos pelo petróleo. A China era um parceiro fundamental. Para os EUA, África era quase um universo paralelo, quase perdido e excluído do arco estratégico internacional. Se o pensamento estratégico chinês tivesse funcionado, aquela infraestrutura teria sido perspetivada com visão de longo prazo e seria aquele país a assumir a sua gestão/exploração.
Porque a história não foi assim, o porto do Lobito, e o seu corredor, assumem-se como uma peça do que podemos designar de uma ‘nova doutrina contenção’. No pós II Guerra Mundial, e ao longo da Guerra Fria, a ‘doutrina da contenção’ foi essencial para ‘travar’ a ascensão e o poder soviético.
No mundo da ‘globalização em transformação’, o Ocidente, bem como os seus aliados não ocidentais, que promoveram a globalização como sistema para perpetuação das suas vantagens competitivas, assente na crença de uma prolongada vantagem tecnológica, foi surpreendido pela velocidade de transformação da Ásia, e passou a ser novamente importante a contenção da nova potência em ascensão: a China.
Essa nova contenção era já sentida pela China no mar, a norte e a sul. A ‘nova rota da seda’ é uma importante iniciativa para garantir o acesso aos mercados ocidentais, por terra, sobretudo.
É nesta lógica que o controle do ‘corredor do Lobito’ se integra. Angola ganha nova importância estratégica pelas razões anteriormente invocadas e, por não ter aderido aos BRICS (ao contrário do que era esperado), surge como alternativa à potência regional, a República da África do Sul.
Houve um tempo no qual Portugal sabia a importância estratégica de outras geografias, que não as europeias, na sua ação externa e nas suas relações económicas. Ainda encadeado pelo sol de Bruxelas, que se sabe já não brilhar tanto quanto isso, Portugal parece atarantado à procura do que fazer.