É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança

A comunidade global fracassou, tendo ficado estagnada na era digital e acabamos por viver prejudicados por esta.

Os séculos sucedem-se e o ser humano persiste na adoção de comportamentos autolesivos, optando por sobreviver num mal-estar civilizacional permanente, aniquilando a esperança no futuro dos povos e de diversas nações.


Enquanto se mantém um incompreensível impasse em Portugal acerca da decisão dos principais partidos sobre um novo Orçamento para 2025, num ápice, passaram mais de dois anos do início da invasão da Rússia à Ucrânia e mais de um ano do violento conflito na Palestina, extensível ao Líbano e a um Médio Oriente em crescente fúria, sem que nenhuma instituição mundial sossegue os ânimos de modo a conquistar a desejada paz.
Segundo algumas estimativas, a par das largas centenas de milhares de russos e de ucranianos tombados em batalha, em Gaza já perderam a vida mais de quarenta mil pessoas, aumentando dia após dia. Para além disso, persistem conflitos armados em países como a Síria, Iémen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Mianmar ou Haiti, mais afastados do redutor mediatismo imediato, das modas impostas ou dos interesses das grandes potências, constantemente focadas em atrofiar as paixões dos homens para os conseguir dominar, envolvendo igualmente números assustadores de perdas de vidas.


Noutro ponto do planeta, estamos a menos de um mês das eleições norte-americanas e também não se vislumbram boas notícias para a serenidade mundial.


Na realidade, a comunidade global fracassou, tendo ficado estagnada na era digital e acabamos por viver prejudicados por esta. Temos notícias sobre o mundo inteiro e alheamo-nos dele, conseguindo estar tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe, de coração ao largo, incapazes de ultrapassar uma persistente desinformação, porque as pessoas só consomem redes sociais e acomodaram-se à escassez de verdade.


Perante esta rutura civilizacional, formamos maus quadros políticos, uns atrás dos outros, dominados pelas suas agendas pessoais e movendo-se por consecutivos ziguezagues, porque nos esquecemos dos valores que deveriam estar subjacentes aos seus mandatos e às missões para as quais são eleitos.


Um antigo provérbio africano assinala a necessidade de ser preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, colocando em cima da mesa a crua sustentabilidade de uma vida em comum, alicerçada nos pilares da pertença, da identidade e da multiculturalidade, sem histerismos em atos públicos de incentivo ao racismo, de bandeiras à cintura, que promovem apenas o caos e o divisionismo quando se necessita urgentemente do contrário.


Se as instituições são formadas por pessoas, o sentido de comunidade surge pelo próprio incentivo à humanidade, onde a única expectativa reside na sua defesa intransigente como um todo, tendo por base os princípios educacionais, culturais e de respeito mútuo. Tudo se resume a cada um de nós, na preparação das novas gerações, valendo-nos a possibilidade de remar contra estas marés perigosas que nos impõem.

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