Há cada vez menos momentos do dia e das nossas vidas em que as famílias se reúnem. Encontrarmo-nos todos no mesmo sítio com o mesmo propósito não é rotina, é acaso. Não viajamos juntos, não jantamos e almoçamos às mesmas horas, a mesa de jantar é a última coisa que entra numa sala e há cada vez menos ocasiões para nos conhecermos. Para estarmos todos juntos temos de marcar hora e agendar com antecedência. A cozinha está a ocupar o espaço da sala e a casa de jantar é hoje considerada um luxo. Não é mais do que um desperdício para quem precisa de espaço para arrumações ou um cantinho para trabalhar. Tudo é apenas e só funcional.
Uma redação de um dos miúdos dizia assim: a coisa que mais gosto de fazer é jantar com os meus irmãos e com os meus pais, depois, ver um filme com todos. O resto da lista estava preenchida com os jogos de futebol com os amigos e com os video games. É o último dos moicanos, este meu filho.
Há uns tempos dizia-se que a televisão tinha destruído as famílias porque impedia que se conversasse, calava as famílias. Os mais velhos queixavam-se de que os livros tinham sido arrumados nas prateleiras, o diálogo entre pais e filhos estava morto e que a televisão era o novo ópio do povo. Foi também quando se disse que o vídeo iria matar a rádio. Mas mesmo assim, nessa altura, não há muitos anos, as famílias reuniam-se para assistirem às telenovelas, matinés de domingo, concurso de fim de semana, debates e até a programas sobre o top dos vídeos com mais sucesso e dos discos mais vendidos. José Hermano Saraiva teria passado despercebido neste mundo se o seu nascimento tivesse sido atrasado umas décadas mais tarde. O ponto alto era o domingo à noite, com os resumos da jornada. Foi uma altura entediante, porque todos víamos a mesma coisa e todos comentávamos o mesmo no dia seguinte. A televisão era a algema que nos forçava a ficar na sala durante horas a comentar o que víamos e a falar uns com os outros, quer gostássemos ou não. A discutir nos intervalos e a ceder aos gostos e aos interesses uns dos outros. A alternativa era ler ou estudar. Escolhíamos ficar para os anúncios.
Foi num ápice que tudo mudou. Hoje, vivemos todos na mesma casa, mas em mundos diferentes. Cruzamo-nos quando a funcionalidade do dia-a-dia assim o obriga. As refeições são a horas diferentes e não há horário para nos reunirmos em família. Arrastar uma família inteira a parar durante umas horas a ver o mesmo filme, a assistir ao telejornal é tão difícil quanto era há meia dúzia de anos cumprir a rotina das refeições numa casa em que as crianças já não são a maioria. Ao fim do dia já não há novidades, há comentários que já ninguém quer ouvir. A rotina de ver televisão passou, hoje segue-se uma série. Os filmes são vistos e revistos no computador, cada um no seu sítio, à sua hora e ao seu ritmo. Jantamos em tabuleiros, cada um à sua hora e com a sua dieta. O mundo real é diferente, mas as famílias são as mesmas. E a verdade é que quando os livros apareceram a discussão era mesma, e ainda cá estamos. É tudo uma questão de regras, rotina e vontade.