A vinte e cinco dias das eleições que ditarão o próximo líder da Casa Branca, a corrida não poderia estar mais renhida. Se tudo corria de feição ao candidato republicano, Donald Trump, após o primeiro debate com o Presidente Joe Biden e a tentativa de assassínio de que foi alvo, a corrente mudou quando Kamala Harris, atual vice-presidente, assumiu a nomeação democrata.
Mas o boost inicial do Partido Democrata, potenciado pela energia da nova candidata e pela Convenção em agosto, já assentou, deixando tudo empatado. É, assim, arriscado fazer uma previsão de quem será o próximo líder da ‘Land of the free’.
Trata-se de uma eleição decisiva e importante, talvez mais do que qualquer outra nas últimas décadas, onde estarão frente-a-frente ideias para os Estados Unidos – e para as suas relações com o mundo – diametralmente opostas. Num momento de fragilidade para a ordem internacional liberal, a posição do seu líder assume uma importância acrescida, e mesmo que continue a ser a principal potência mundial, os Estados Unidos têm o seu poderio seriamente contestado e multipolaridade é cada vez mais uma certeza.
O que dizem as sondagens
As sondagens apontam precisamente para o equilíbrio entre os dois candidatos, principalmente nos estados decisivos, os swing states, que ditarão o vencedor em novembro.
A nível nacional, Harris tem agora números superiores aos de Trump, com uma vantagem que tem variado entre os 2% e os 3%. Uma vantagem, é certo, mas importa não esquecer que Hillary Clinton, candidata democrata em 2016, superava Trump por cerca de 4,5% a esta altura do campeonato. O resultado final todos sabemos. Também Biden, há quatro anos, liderava significativamente as sondagens com 9% de vantagem sobre o adversário, acabando por retirar Trump da Sala Oval por uma margem bem mais pequena. É importante ter estes números em consideração, algo que a equipa de Kamala Harris certamente saberá.
No que diz respeito aos swing states, Boyd Wagner, presidente da Euronews Polls Centre e ex-estratega de comunicação política nos Estados Unidos, fornece informação detalhada: «Atualmente, a Pensilvânia apresenta sondagens muito perto do empate, com muitas sondagens a intercalarem entre uma vantagem de Trump e uma vantagem de Harris. Usando os modelos de sondagem agregados, Trump tem no momento uma fração de 1% de vantagem sobre Harris».
Na Geórgia, um Estado que era tendencialmente republicano até à eleição de 2020, Wagner diz que «Trump tem 1 a 2 pontos de vantagem sobre Harris». Situação que é semelhante no Arizona.
Por fim, o último Estado mencionado na análise do perito americano é a Carolina do Norte: «A Carolina do Norte é o único Estado que Trump venceu em 2020 onde há uma possibilidade para a campanha de Harris em 2024. Segundo os modelos de média de sondagens, Trump detém uma liderança estreita de menos de um ponto percentual, ainda que o Estado tenha regularmente regressado a Trump nas semanas recentes».
A análise específica de Wagner coloca em evidência o equilíbrio da disputa, e o debate vice-presidencial, como é normal ao longo da história americana, não impacto suficiente para alterar o paradigma. Haverá corrida até ao último voto.
Melania e o aborto
Melania Trump, esposa do ex-Presidente, lançou um livro de memórias, que carrega o seu primeiro nome na capa, na terça-feira. Além da descrição de vários momentos dos seus cinquenta e quatro anos de vida – da infância na Eslovénia à paixão pelo magnata americano – há um tema que salta inevitavelmente, e até de forma inesperada, à vista: o aborto.
A ex-primeira dama americana expressa de forma clara a sua posição favorável ao aborto, contrastando com a maioria dos republicanos e, principalmente, com o seu próprio marido.
O jornal britânico The Guardian citou várias passagens do livro que acabou de chegar às bancas, principalmente no que ao aborto diz respeito. Melania defende ser «imperativo garantir que as mulheres tenham autonomia para decidir sobre a sua preferência de ter filhos, com base nas suas próprias convicções, sem qualquer intervenção ou pressão do Governo». «Porque é que alguém, que não a própria mulher, devia ter o poder de determinar o que ela faz com o seu próprio corpo? O direito fundamental da mulher à liberdade individual, à sua própria vida, confere-lhe a autoridade para interromper a gravidez se assim o desejar», acrescenta.
A mulher que aspira de novo ao título de primeira-dama foi ainda mais longe: «Restringir o direito de uma mulher a escolher se quer interromper uma gravidez indesejada é o mesmo que negar-lhe o controlo sobre o seu próprio corpo. Tenho levado esta convicção comigo ao longo de toda a minha vida adulta».
São declarações fortes e bastante contrastantes com as posições da maioria dos votantes republicanos – é de lembrar que foi com Trump na Casa Branca que foi revertido o caso Roe v. Wade que protegia, desde 1973, o direito ao aborto a nível federal -, mas o timing da publicação pode não ser inocente.
Numa eleição em que todos os votos contarão, Donald Trump – que tem moderado a sua retórica quanto ao aborto – pode ter com este livro algo a ganhar. O aborto não é um dos temas prioritários da maioria dos americanos, pelo qual Trump não deverá perder apoio eleitoral à conta disso, mas poderá beneficiar com o voto, principalmente feminino, dos indecisos que mais valorizam a questão.
De qualquer forma, não será um acontecimento capaz de desequilibrar a eleição, mas não deixa de ser uma jogada interessante por parte da campanha do candidato republicano.
As dificuldades e o fim da cordialidade
A candidata democrata tem velejado ao sabor da sua energia e da sua vertente empática. E com algum sucesso, é certo. Mas no que ao programa ideológico diz respeito, Kamala Harris está alguns furos abaixo dos seus antecessores. Das incoerências no discurso – que também estão presentes em Trump – à difícil justificação das políticas da presente administração, passando pela evidente dificuldade em entrevistas ou em momentos em que falha o teleponto, Harris mostra que não está ao nível de candidatos como Barack Obama, Bill Clinton ou até Joe Biden.
Também Trump tem apresentado uma certa ineficácia na mudança de retórica desde que Kamala assumiu a candidatura, mas tem um ativo eleitoral no seu vice-presidente que Harris não tem. Ambos beneficiam da rotura profunda na sociedade americana e época da cordialidade – com a breve exceção do debate vice-presidencial da semana passada – acabou.
Assim, resta esperar pelo desenvolvimento do último mês de campanha eleitoral nos Estados que de Unidos têm mostrado pouco e cujo resultado, seja ele qual for, não será bom para a Europa que necessita repensar a sua estratégia de forma urgente.