Sofia Saldanha. ‘O maior risco que podemos correr é não arriscar e não seguirmos os sonhos’

Sempre com a máquina fotográfica na mão, Sofia decidiu lutar pela sua paixão em 2013. Desde então que não tem parado. Já esteve em mais de 20 países e todos a marcaram de forma extraordinária. É apaixonada por pessoas, por olhares. Mesmo sem conhecer quem fotografa, existe uma cumplicidade e empatia em segundos.

A fotografia é uma forma de congelar a realidade, eternizar momentos, de capturar a magia e poesia da vida. Dizia Remy Donnadieu que esta é «a literatura do olhar». «Ela não muda mesmo quando as pessoas mudam», defendia Andy Warhol. Para Sofia Saldanha, a fotografia é uma paixão que tem desde pequena. No entanto, apenas em 2013, já em adulta e com quatro filhos, comprou uma máquina melhor e resolveu ir atrás do seu sonho. Ao longo de mais de dez anos, visitou a Islândia, Noruega, Patagónia, Marrocos, Índia, Etiópia, Quénia, São Tomé e Príncipe, Namíbia, Nepal, Mongólia, Vietname, Tailândia, Brasil, Tibete, Zanzibar, entre muitos outros países. Conviveu com povos isolados, dormiu nas suas casas, comeu as suas comidas, conheceu os seus costumes e captou paisagens «que parecem de outro planeta». Mas o mais importante são sempre as pessoas. «Todas elas são únicas. Os olhares falam e o sorriso é uma linguagem universal», afirma à Luz.

Uma paixão partilhada


«Não faço ideia que idade é que eu tinha, mas sei que este grande gosto veio desde muito cedo. Toda a vida vivi com ele. A minha mãe sempre teve uma veia artística e o meu pai também sempre teve muito gosto pela fotografia. Era um grande entusiasta. Também tenho uma irmã mais velha, a Helena, que partilha esse gosto e fazia muitas viagens. Foram as suas viagens que me inspiraram. Lembro-me de pensar que também queria ir a esses lugares todos, conhecer as pessoas. Por isso, ela sempre foi uma grande impulsionadora», conta a fotógrafa. Sempre andou com a máquina na mão e, antes de tirar os cursos e começar a fazê-lo de uma forma profissional, os seus filhos e família eram os protagonistas das suas imagens. «Fartava-me de tirar fotos aos meus filhos, eles até já se aborreciam», admite. Em 2013 decidiu aprofundar os conhecimentos e praticar. «Queria mais e, para isso, tinha de conhecer como funciona uma máquina. Tenho de ser eu a controlar as coisas. Sou eu que a controlo, não é ela que me controla a mim», explica. Começou então a fazer fotografias de paisagens. «Durante dois anos, foi isso que fiz. Andei de norte a sul de Portugal, fui para sítios completamente longínquos, acampei na Patagónia. Comecei por fazer fotos em busca das melhores paisagens. Depois, nos passeios com os meus filhos, eles deixaram de ser os protagonistas e até me começaram a perguntar: ‘E nós, mãe?’. O meu foco tornou-se outro», continua.

Foco no retrato


Apaixonou-se depois pelo retrato, tendo as paisagens ficado para segundo plano. As suas primeiras duas viagens com o objetivo de captar olhares foram a São Tomé e Príncipe e à Namíbia. «Foram as minhas duas primeiras grandes viagens de retrato. Fiquei completamente apaixonada. Descobri que queria fotografar pessoas, olhar para elas, falar com elas», revela Sofia Saldanha. «São pessoas que ali estão, com sentimentos. Eu peço sempre autorização para fotografar. Na maioria dos casos, elas estão a olhar para mim. Fotografo com muito respeito, honestidade e estou ali completamente de coração. Sou muito grata a estas pessoas que me deixam fotografá-las, que me deixam entrar nas suas casas, nas suas vidas», garante, acrescentando que se, como ela, alguém a abordasse na rua para fotografá-la, não deixaria. «Portanto, há aqui uma conexão, uma cumplicidade que se cria de repente. Isso vê-se nos meus retratos. Às vezes perguntam-me: ‘Mas a Sofia já conhecia esta pessoa há muito tempo?’. Por norma não! Tiro as fotos no momento em que conheço as pessoas… ‘Então como é que elas olham assim para si?’. Não faço ideia… Acho que são olhares profundos que revelam a pessoa que está por trás da fotografia», detalha. «Às vezes chego a sítios remotos e tenho receio, mas quando tenho a máquina na mão, não penso em mais nada. Sinto-me completamente realizada», admite ainda.

Apaixonada por Zanzibar


Interrogada se possui alguma meta no que toca ao número de países que visita, Sofia responde que não. «Não tenho meta nenhuma nem conto os países onde já estive. Muitas vezes volto aos mesmos lugares. Quando venho dos sítios, venho tão apaixonada pelas pessoas e pelos espaços que gosto muito de voltar, levar impressos os retratos, procurar as pessoas. E encontro! Já aconteceu muitas vezes e é muito bonito ver a reação», conta. Na Índia, por exemplo, foi uma segunda vez e levou impressos vários retratos. Pediu ajuda a uma pessoa local para encontrar os sítios e foi em busca das pessoas. «Vou à descoberta!», aponta. Um dos sítios que mais gosta e onde vai várias vezes é Zanzibar, uma ilha em África «onde há a cultura das algas marinhas e as mulheres estão dentro de água, com roupas coloridas a cultivar as algas». «Tenho uma grande paixão por esse lugar. Aliás, sempre que vou em viagens penso: ‘Será que Zanzibar é perto?’. Quero sempre lá voltar», afirma com saudade na voz. Já lá foi umas quatro ou cinco vezes e já conhece o nome de algumas pessoas. «Elas também me chamam pelo meu», acrescenta satisfeita.


De acordo com a fotógrafa, as algas são exportadas, importantes para cosméticos, farmácia e alimentação. «Com o aquecimento global, as águas estão a aquecer muito. O cultivo das algas é feito exclusivamente pelas mulheres e representa o sustento delas, a sua independência. Como as águas estão a aquecer, as algas não estão a crescer como cresciam. A cultura das águas está, por isso, ameaçada. As mulheres de Zanzibar não sabem nadar. Andam dentro de água com as suas vestes. Tem de se ensinar a próxima geração. Noutros países já plantaram as algas em águas mais profundas, mais frias», explica. Zanzibar é o seu porto de abrigo, um sítio que lhe preenche a alma. «Mudou a minha forma de estar no mundo pois tomei consciência do maior desafio que todos enfrentamos, o de quanto é importante e urgente protegermos o nosso ecossistema. Este povo que vive exclusivamente do mar, os homens da pesca e as mulheres do cultivo das algas marinhas, lutam diariamente pelo seu sustento que está ameaçado pelo aquecimento das águas dos oceanos», alerta.

Independente mas com companhia


Ao regressar aos locais, as reações são comoventes. «Nesta minha última viagem ao Brasil, comprei uma mini impressora, mais pequena do que um telemóvel. Fotografava e dava as fotos. A cara das pessoas a pegarem na impressora e a verem o retrato a sair, cria uma grande empatia. Às tantas já tinha imensa gente a pedir-me que as fotografasse», lembra.


Por norma, Sofia viaja com uma ou duas companhias. «Tenho um irmão que gosta muito de me acompanhar. Viajo completamente independente. Esta semana vou ao Peru e há sítios que tenho pena que o meu marido não veja. Acho que são imperdíveis para a vida, mas devido às condições, aos sítios onde fico, remotos, é completamente impensável», revela. O seu objetivo com esta viagem será fotografar os povos da montanha. No entanto, queria mesmo levar o marido, Vasco. «Pensei: ‘Não faz sentido ele não vir conhecer algumas partes do Peru como Cusco e Machu Picchu’. Então vem comigo, durante uma semana vamos conhecer esses lugares e depois ele vai-se embora e eu continuo a minha viagem. Vou para as montanhas, dormir com os povos, nas suas casas de pedra, em sacos de cama. É o que é. Custa-me muito deixar a minha zona de conforto e dá-me sempre um bocadinho de nervos, mas vou porque gosto. Tenho de passar por isto», acredita.


Quando comemorou as suas botas de prata, Vasco sugeriu uma viagem. E não ficou surpreendido quando Sofia lhe disse que era impensável viajar sem a máquina fotográfica. «Organizei uma viagem e fomos para o sudoeste asiático. Levei o meu marido em bodas de prata para a Tailândia, fotografar as ‘mulheres girafa’, o que não faz sentido nenhum!», conta dando uma gargalhada. «Depois fomos para o norte do Vietname, para os campos de arroz fotografar o povo. Ele adorou! Antes disso, também fizemos uma outra viagem… Ainda fotografava paisagens e levei-o para a Islândia. Uma coisa de outro mundo! Parece que estamos noutro planeta… Paisagens deslumbrantes. Fomos numa altura onde era dia todo o dia. Às tantas era meia noite e ele estava no carro à minha espera. Eu com o tripé: ‘Espera lá que esta luz é perfeita!’. Ele faz coisas completamente fora da caixa, mas acabam por marcar muito», assegura.

Fora da sua zona de conforto


Sofia fotografa pessoas que vivem fora do contexto normativo e que têm costumes e hábitos completamente diferentes daquilo que conhecemos. «Não consigo escolher um povo preferido. Uma experiência que mais tenha marcado. Todos eles me marcam de alguma maneira. Trago sempre recordações extraordinárias. Mas gosto muito do povo de Zanzibar… É um povo que vive à volta do mar, quando as crianças vão para a escola, passam pela praia… Todos vestidos com vestes coloridas. É uma beleza! Também é espetacular fotografar na Índia! Eles com as suas barbas, os seus cabelos, as roupas… é uma coisa de outro mundo», recorda. «Fui também à Mongólia fotografar os cazaques que são povos nómadas. As casas, as pastagens, o gado… É super interessante. Também estive na Etiópia a fotografar várias tribos… Não consigo escolher. São experiências únicas, de vida. São as pessoas que nos marcam», frisa. A fotógrafa lembra ainda a sua viagem ao norte do Quénia, onde fotografou cinco ou seis tribos diferentes. «Foi uma viagem difícil, muito dura. Agora vou visitar o povo Quechua que tem uma história que remonta a milhares de anos», adianta. Os Quechua foram os antigos habitantes dos Andes peruanos e estabeleceram uma das civilizações mais avançadas da América do Sul, conhecida como Império Inca. Vivem nas montanhas e tentam manter as suas tradições. «Na Namíbia também visitei uma tribo interessante, muito remota», acrescenta. «Se escolhesse alguma tribo estava a ser injusta. Cada pessoa que fotografo é diferente e especial», sublinha. Sofia voltava a quase todos os lugares. Todas as viagens excederam as suas expectativas.


Relativamente aos perigos e medos, a fotógrafa pensa neles, mas não deixa que isso a pare. «Eu acho que desde que deixamos a nossa zona de conforto corremos perigo. As pessoas bem dizem: ‘Tens quatro filhos, vais para longe…’. Ok… Mas o maior risco nesta vida é não arriscar, não ir atrás dos nossos sonhos. Não nos podemos é colocar em aventuras desnecessárias. Agora quando for para as montanhas do Peru, vou dormir na casa das pessoas. Ia só com um guia para me acompanhar, mas não me apetece. Não quero dormir numa casa sozinha com um homem. Não quero fazê-lo também por respeito à minha família que cá fica preocupada. Agora, o meu irmão disse que vem comigo, o que me deixa super contente. Por isso, já me sinto muito mais confortável. Temos de ter consciência», alerta ainda. «Depois há outros riscos. Quando falamos da Etiópia ou do Quénia, por exemplo, há tribos muito diferentes que vivem muito perto umas das outras. Há muitas guerras entre eles por causa de uma cabeça de gado, por exemplo. Há ali zonas que pedimos para fotografar e as pessoas estão armadas. Não nos conhecem. Querem defender-se. Nessas zonas há essas guerrilhas. Tivemos um furo no carro no Quénia, mas sabíamos que não podíamos parar. Há muitos assaltos», detalha. «Graças a Deus que nunca tive problemas. É estranho, mas é verdade. Eu confio sempre no que as pessoas dizem. Há quem ache que sou louca… Entrar assim na casa de desconhecidos, dormir lá… Confiar-lhes a máquina, porque às vezes peço ajuda. Eu acredito nas pessoas, não penso no resto. É com essa relação de confiança com as pessoas que faço o meu trabalho», admite Sofia.
A fotógrafa tenta sempre arranjar uma pessoa local para a acompanhar. Até porque já teve uma má experiência com um guia. «Já me aconteceu contratar um guia de cá, chegar lá e perceber que preferia ter feito a viagem sozinha. Aconteceu na Índia. Era para ir a várias cidades, mas ele só dominava bem a cidade dele. Nunca mais fiz isso. Então o que é que eu faço? Quando chego aos sítios tento arranjar alguém local para me acompanhar. As pessoas são muito generosas. Os locais conhecem a língua, as pessoas», explica. Os dialetos são completamente diferentes de cidade para cidade. Sofia comunica com as pessoas também por gestos, sorrisos, olhares… «Apontando a máquina. O sorriso é uma língua universal», acredita.
Os momentos mais marcantes são aqueles em que as pessoas veem as fotografias. «Reagem super bem. Nunca tive ninguém que reagisse mal. Mas muita gente nunca se viu ao espelho, ficam espantados. Vem toda a gente ver, depois as outras pessoas também querem ser fotografadas. É chato porque às vezes levo apenas umas cinco ou seis fotos e as pessoas querem ver se estão nelas. Para mim fazer retrato é uma grande responsabilidade, é importante mostrar que os respeito, que sei o nome deles, que são importantes para mim», frisa.


Atualmente, já lhe é mais fácil gerir a vida profissional e pessoal. Os seus filhos já são adultos e cada um tem os seus projetos. «Quando comecei a ir para fora, a mais nova tinha 13 ou 14, mas já tinha os irmãos mais velhos e o meu marido. O meu marido é espetacular. Sempre os deixei bem entregues, mas vou sempre com o coração na mão. Eles sempre me apoiaram, sempre acharam muita graça a esta paixão da mãe. Eu digo-lhes muitas vezes que eles também têm de ir atrás dos seus sonhos. Sem querer dar o exemplo, isso acaba por acontecer», afirma.


Sofia Saldanha entrega-se de tal forma ao seu trabalho que há rostos que lhe invadem os sonhos. «Eu sonho com as pessoas que fotografo ou vou fotografar. Antes de ir já estou a sonhar, faço muito trabalho de investigação. Começo a pensar nelas e tenho-as sempre muito presentes em mim», remata.

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