Há tempos falei dos Clássicos da Literatura Portuguesa Contados às Crianças, uma iniciativa do SOL que teve grande sucesso. Nesta época outonal será curioso recordar um projeto idêntico, de que alguns antigos leitores do Expresso ainda se lembrarão: o Guia Expresso de Portugal, que faz agora 30 anos. Tratou-se de uma das iniciativas editoriais com maior impacto nas vendas de um jornal. Na altura as tiragens rondavam os 140 mil exemplares – e saltaram de repente para os 200 mil. Um êxito estrondoso.
O processo arrancou no gabinete de Francisco Pinto Balsemão, no velho prédio da avenida Duque de Palmela. Lá havia uma grande mesa de madeira que servia simultaneamente de mesa de reuniões e de trabalho. Balsemão gostava de se sentar aí a trabalhar, mesmo sozinho.
Nessa manhã estávamos naquela mesa três pessoas: ele, eu e Henrique Granadeiro, recém-entrado na administração. Discutíamos as vendas do jornal, que, depois de uma subida constante durante anos consecutivos, mostravam algum abrandamento. É certo que se tratava de um fenómeno mundial, mas com os males dos outros podíamos nós bem.
Lembrei-me então de uma conversa tida dias antes com o jornalista Rui Cardoso (que aparece agora de vez em quando na SIC a falar de politica internacional). E ali mesmo peguei no telefone e liguei-lhe. Perguntei-lhe se havia condições para avançarmos com a ideia já. Disse-me que sim.
Do que se tratava?
De um guia de Portugal. Havia um velho Guia de Portugal da autoria de Raul Proença, editado em 1924, literariamente excelente mas desatualizado e pouco completo. E existiam depois os Guias Michelin, mas com características específicas.
O Rui Cardoso conhecia bem o país, tinha um velho jipe onde viajava por percursos às vezes pouco convencionais, era um bom repórter, pelo que era a pessoa indicada para coordenar um projeto destes.
Um tempo antes, o jornal Público oferecera um Atlas em separatas colecionáveis, formato A4, que podiam arquivar-se num dossiê. A ideia era semelhante, mas o modelo não me agradava de todo. Primeiro, o formato: sendo um guia de viagens, devia caber no porta-luvas de um carro. Depois, as folhas soltas não eram apelativas: deviam ser fascículos individuais, com capa, cada um com a sua identidade. Finalmente, tinha de haver uma caixa para os guardar: a partir do momento em que o leitor tivesse a caixa, quereria enchê-la – e ficaria preso à coleção.
Havia aqui um problema. Sendo a caixa destinada a distribuir com o jornal, não podia ter volume. Inventámos então uma caixa em plástico forte, planificada, mas muito fácil de montar. Reuni com uma empresa de plásticos que se prontificou a produzi-la.
Feito isto, só faltava o nome e a cor, que surgiram espontaneamente: Guia Expresso de Portugal, cor verde.
Falo em pormenor do ‘modelo’ – fascículos individuais, caixa plástica para os acondicionar, nome e cor – porque julgo que este foi decisivo para o sucesso da iniciativa. Os conteúdos podiam ser de grande nível (como seriam), mas sem uma ‘embalagem’ atraente poderiam redundar num fiasco.
Formou-se uma equipa com várias valências, coordenada editorialmente pelo Rui Cardoso, com o apoio comercial da Mónica Balsemão.
Cada fascículo corresponderia a uma região e conteria um mapa; um texto escrito por um autor lá nascido; vários percursos de automóvel, a pé e urbanos; roteiros de arqueologia, de paisagens, de monumentos, de museus, de grutas, de arquitetura, de artesanato, de trajes, de vinhos, de cozinha e doçaria, de história e tradições, de feiras e romarias, de locais onde dormir e comer, de equipamentos desportivos, de praias.
Foi um trabalho ciclópico do Rui Cardoso apoiado pelo Rui de Carvalho, mas com a participação inestimável do Luís Ribeiro (o ‘mestre Ribeiro’, como lhe chamávamos), que fez um projeto gráfico muito simples, apelativo e fácil de consultar.
O sucesso foi instantâneo. Como disse, a tiragem subiu a pique para os 200 mil exemplares semanais – o que constituiu um enorme choque para o então diretor de O Independente, Paulo Portas, que nesse momento deitou a toalha ao chão. Tendo andado a tentar ultrapassar o Expresso em vendas em banca, viu aí desfazer-se o sonho. Foi o knock-out. Nessa altura terá decidido deixar a direção do jornal.
A ideia correu tão bem, que resolvemos passar a replicá-la nos anos seguintes, no Verão, com guias temáticos. Assim nasceram o Guia das Cidades e Aldeias Históricas de Portugal (cor azul), o Guia O Melhor de Portugal (dourado), o Guia da Boa Cama e Boa Mesa (que ainda existe e que atribuía diplomas aos restaurantes e hotéis selecionados), o Guia do Turismo de Habitação, o Guia das Pousadas e Hotéis de Sonho…
Diga-se que o próprio Guia de Portugal já foi reeditado mais duas vezes pelo Expresso, em versões atualizadas, e o modelo já foi copiado por outros jornais e revistas. Bastava isto para mostrar o seu êxito.
Por isso, continuo a dizer que o que falta em Portugal não é muitas vezes dinheiro – são ideias. Há ideias capazes de fazer muito dinheiro, mas com muito dinheiro nem sempre se compra uma boa ideia.