Quando vemos alguém excessivamente desejoso de ocupar um lugar público devemos desconfiar. Representa, quase sempre, um elevado grau de ignorância sobre a complexidade dos cargos, por um lado, e sobre as consequências do seu exercício na vida do individuo, por outro. Não que os cargos sejam apenas sacrifício, mas a realidade é que sacrificam dimensões da vida da pessoa que não podem ser desconsideradas.
O exercício dos lugares públicos, como outros ‘sacerdócios’, implica a compreensão profunda de pelos menos três dimensões essenciais: o ‘chamamento’, o ‘sentido de missão’ e, por último, a ‘noção das consequências pessoais’. Sem estas três dimensões, tudo o que resta é ego e, esse, se não é devidamente domado, representa a ‘tal’ dimensão do perigo.
O ‘chamamento’ está ligado ao grau de conhecimento e reflexão sobre o que o exercício de determinado cargo representa para a vida da comunidade. Seja local, regional, nacional ou, mesmo, internacional. Imagine um indivíduo que quer ser presidente de Câmara, e que, para o mesmo, tanto serve Barrancos, como Lisboa, desde que haja uma. O mesmo se aplica a alguém que queira ser ministro, tanto servindo ser a ‘saúde’ como as ‘finanças’ ou os ‘negócios estrangeiros’, bastando que haja ‘carro preto’. O ‘chamamento’, quando há apetência para lugares públicos, apenas pode ser determinado pelo que dominamos de determinada matéria e, mais importante, pelo que podemos acrescentar à comunidade com o nosso exercício do cargo. Um chamamento global representa chamamento nenhum – voltamos ao ego…
O ‘sentido de missão’ respeita à nossa disponibilidade para nos colocarmos ‘ao serviço dos outros’, abdicando de nos servirmos a nós próprios. Implica colocarmos as nossas forças, bem como o nosso conhecimento – trazido e adquirido – ao serviço da comunidade. Representa um foco de 24 horas por dia no cargo. Não é trabalho, é missão e dever – voltamos ao sacerdócio…
As ‘consequências pessoais’ do exercício de cargos públicos não são, também, fáceis de gerir. O ex-primeiro-ministro António Costa disse, quando as percebeu em toda a sua extensão, que «um primeiro-ministro não tem amigos». Não é bem verdade: tem, mas deve estar disposto a perdê-los no cumprimento do seu dever público. Perde-os porque boa parte dos amigos não compreende que o ‘amigo’ é o ‘António’, não é o ‘primeiro-ministro’. Como tal, porque o amigo não tem o dito sentido de missão incorporado, pode esperar mais do ‘amigo’. Não pode!
Paralelamente, o tal foco de 24 horas no exercício do cargo leva o tempo da família e dos amigos. Muito se perde, e muito os políticos perdem, da vida dos pais (que envelhecem), dos irmãos (que amadurecem), dos filhos (que crescem) e dos amigos (que se afastam). São datas especiais a que se faltam e ocasiões que se perdem – a vida acontece e ‘a fila anda’.
Tudo isto serve para afastar a maior parte das pessoas ajuizadas de terem vida política. Até porque a exposição acresce a todos os fatores que afastam as pessoas de aceitarem cargos públicos. Todavia, não há verdadeiramente maior satisfação profissional do que servir a comunidade e o bem comum. É, particularmente em democracia, a maior honra que um cidadão pode ter: ser escolhido pela sua comunidade para a liderar. Todavia, querer exercer cargos políticos deve ser uma escolha consciente dos próprios e deve respeitar quem vamos servir.
O governo da coisa pública é coisa demasiado séria para ser deixada a quem não tem consciência de tal.