O primeiro-ministro não aproveitou este momento para precipitar eleições antecipadas – e ainda irá arrepender-se por não o ter feito. A AD não deve voltar a encontrar ocasião tão boa como esta para ir a eleições.
Não sei o que os portugueses pensam deste espetáculo que tem rodeado o debate sobre o Orçamento do Estado; mas atrevo-me a dizer que a credibilidade dos políticos sofreu um gigantesco rombo.
Pedro Nuno Santos e André Ventura, nas últimas semanas, pareciam dois loucos. Escrevi na semana passada sobre o que ambos deveriam ter feito no seu próprio interesse.
Hoje escrevo sobre o que conviria mais a Luís Montenegro.
Montenegro foi o único que se salvou neste processo, agindo de forma muito hábil.
O resultado, aliás, está à vista: o PS e o Chega partiram-se ao meio.
E, no fim, o Orçamento será aprovado, porque nenhum destes partidos está em condições de ir agora a eleições: se os seus líderes quisessem deitar abaixo o Governo, teriam revoluções nas bancadas parlamentares.
Assim, se não fosse o PS a abster-se, como o seu líder já anunciou, seria o Chega a votar a favor.
Pedro Nuno Santos e André Ventura protestaram, barafustaram, deram pinotes, fizeram juras, mas na hora da verdade não teriam outro remédio.
Até penso que Montenegro não precisaria de ter feito tantas concessões ao Partido Socialista; deveria tê-lo encostado à parede.
E se Pedro Nuno Santos, num momento de desvario, votasse contra o OE, e André Ventura fizesse o mesmo, Montenegro só tinha a ganhar com isso.
Se houvesse agora eleições, a AD seria a única beneficiada, tendo até hipóteses de alcançar a maioria absoluta.
Assim, se Luís Montenegro foi hábil a dividir o PS e o Chega, não teve a coragem suficiente para levar a pressão até ao fim e criar uma situação que conduzisse a eleições antecipadas. Dizia um destes dias o deputado europeu Sebastião Bugalho: apesar de ser Montenegro o único beneficiário de eventuais eleições, foi quem mais fez para as evitar.
E é verdade.
Mas insisto: por que o fez?
Só vejo uma explicação: porque teve medo de ser responsabilizado.
Teve medo que o eleitorado entendesse que ele não tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para evitar eleições – e o penalizasse.
Montenegro quis que todo o ónus por um eventual chumbo do OE fosse imputado ao PS (e em menor grau ao Chega).
E foi por esta razão que não fez aquilo que o beneficiaria mais: não aproveitou este momento para precipitar eleições antecipadas.
Embora com todos os cuidados, seria isto o que lhe conviria fazer.
Vou mesmo mais longe: Luís Montenegro ainda irá arrepender-se por não o ter feito.
Primeiro, porque este OE não é propriamente um orçamento reformista, e saldar-se-á por um ano perdido.
Depois, porque a AD não deve voltar a encontrar ocasião tão boa como esta para ir a eleições.
Uma altura em que o primeiro-ministro está com a popularidade em alta, em que o Governo beneficia de todos os bónus que tem dado (aos polícias, aos professores, aos reformados, etc.), em que o PS e o Chega estão muito divididos internamente e os seus líderes desgastados perante a opinião pública.
Neste momento, o Governo deve estar no máximo e a oposição deve estar nos mínimos.
Era pois o momento ideal para a AD reforçar a sua bancada parlamentar.
Com esta composição do Parlamento, o Governo não vai a lado nenhum. Tem as mãos e os pés atados. Todas as reformas estão bloqueadas, está condenado a só poder tomar medidas populares pois as outras serão chumbadas, está sujeito a que a oposição se una para aprovar medidas contra a vontade do Executivo, como já aconteceu. Alguém acredita que o Governo conseguirá ir até ao fim do mandato nesta situação: a dar tudo a todos, a fazer truques orçamentais para tapar os buracos (como o aumento das taxas dos combustíveis), a proporcionar um espetáculo semelhante a este sempre que há um novo Orçamento para aprovar?
O Governo tem de reforçar a sua escassa maioria parlamentar.
E não vejo que possa vir a surgir ocasião melhor do que esta.
Nessa medida, se Luís Montenegro foi muito hábil a empurrar os partidos da oposição e colocá-los em situação de terem de aprovar o OE, o que lhe interessava talvez fosse exatamente o contrário: colocá-los habilmente em situação de terem de reprovar o Orçamento.
Ao ver passar o OE, Montenegro ganha uma batalha mas não ganha a guerra: o Parlamento continuará bloqueado e o país permanecerá ingovernável.
O Governo precisaria de criar condições para começar efetivamente a governar – e não apenas a gerir o poder.
Para gerir o poder já tivemos António Costa durante oito anos.