O país no pântano

O ambiente político atingiu níveis a que nunca se esperaria assistir em cinquenta anos de democracia.

Venha ou não venha a ser aprovado o Orçamento de Estado, o país está mergulhado numa crise política gravíssima. Efectivamente, o ambiente político atingiu níveis a que nunca se esperaria assistir em cinquenta anos de democracia. Os líderes do PSD e do Chega acusam-se reciprocamente de mentirosos nas redes sociais e na comunicação social, transformando o que deveria ser uma simples negociação política sobre um Orçamento de Estado numa verdadeira telenovela.


Como se isso não bastasse, o secretário-geral do PS procura impor a lei da rolha no seu partido, acusando os comentadores políticos desse partido de estarem desalinhados com a sua posição sobre o Orçamento, a qual, em bom rigor, ainda ninguém percebeu qual seja. Parece assim que agora qualquer comentador político do PS está obrigado a ser a voz do seu secretário-geral, quando lhe pedem a opinião sobre algum assunto. A liberdade de expressão é pelos vistos algo que foi cancelado no PS pela actual direcção desse partido.


Mas o primeiro-ministro não se ficou atrás nesta obsessão contra a liberdade de expressão, no seu caso contra a liberdade de imprensa. Depois de ter apresentado um plano para salvar a comunicação social, ao bom estilo gonçalvista, já que no PREC todos os jornais foram ‘salvos’, incluindo o República, quis logo demonstrar aos jornalistas que quem paga, manda. E assim criticou os jornalistas por estarem com auriculares colocados que utilizavam para lhes soprarem perguntas. Enquanto no PS se quer instituir a lei da rolha, o Governo prefere a lei da surdez, impedindo os jornalistas de se informarem à distância sobre o que o Governo efectivamente propõe e em que termos o devem questionar.


Esta preocupação com o controlo da liberdade de imprensa tem, no entanto, uma explicação, que é a absoluta incapacidade deste Governo para fazer reformas, incapacidade essa que não quer ver denunciada na comunicação social. Em primeiro lugar avisou que as principais medidas que propunha eram um novo modelo do IRS Jovem e a baixa do IRC. Quando o PS disse que isso eram linhas vermelhas para a aprovação do Orçamento de Estado, o modelo do IRS Jovem passou a ser o do PS e a baixa do IRC reduziu-se a um ponto, ou seja a nada.


Também no âmbito do arrendamento, o Governo mostra-se incapaz de executar o seu próprio programa eleitoral. Depois de num dos documentos do Orçamento de Estado referir que ia implementar «as medidas necessárias para a conclusão dos processos de transição dos contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990», envia à imprensa uma declaração escrita a dizer que o Governo não vai descongelar a renda dos contratos anteriores a 1990, nem pretende alterar o regime em vigor». Parece assim que as declarações escritas do Governo à imprensa valem mais do que o Orçamento de Estado que apresenta ao Parlamento.


É evidente que o que se passou foi a oposição do PS a esta medida de elementar justiça que constava do Orçamento e do Programa Eleitoral do PSD e que o Governo abdica do seu próprio programa eleitoral para executar o programa do PS. E infelizmente os jornalistas, com ou sem auriculares, não foram capazes de solicitar ao Governo a competente explicação do que se passou e qual a razão deste recuo.


Temos, portanto, um Governo que, para se manter em funções, prefere executar o programa do PS em lugar do seu. Temos também ataques à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa de forma só vista durante o PREC. E temos insultos entre líderes partidários de uma forma nunca vista em democracia. É mais do que tempo de acabar com isto e realizar uma efectiva clarificação política, o que só pode ocorrer através de eleições. Neste momento o país afunda-se num pântano e, como dizia o saudoso Joaquim Silva Pinto, do pântano não se sai a nado.