TVDE: queixas de violação e rapto chegam à PSP

‘Ameaças, coações e algumas denúncias tipificadas como raptos, sequestros e violação’, são as queixas que chegam à PSP por parte dos utilizadores dos TVDE. Muitas não se comprovam, mas o aumento da oferta e da procura fez disparar as queixas.

Viagens canceladas, condução perigosa, tentativas de violação (ou consumada) e agora imagens de suposta sujidade. As queixas contra condutores TVDE têm aumentado, ainda que nem todas sejam provadas. Só em 2023, a PSP registou três queixas de violação e já tinha registado um caso em 2020. Este ano, com dados até junho, ainda não foi registada nenhuma queixa neste sentido, segundo informações enviadas pela PSP ao Nascer do SOL. Se olharmos para rapto, sequestro e tomada de reféns, houve cinco queixas no ano passado e este ano nenhuma.


João Ramos, subintendente da Polícia de Segurança Pública, diz que tem sido detetadas um aumento de denúncias «da mais variada ordem». «Desde crimes contra a propriedade, crimes contra as pessoas, condução sob o efeito do álcool, condução sem habilitação legal», detalha o subintendente, acrescentando que também têm aparecido situações de «ameaças, coações e temos também algumas denúncias tipificadas como raptos, sequestros, violação».


Mas, garante, «são situações que são denunciadas que depois não conseguimos ter neste momento o reporte se se confirma ou não. A sequência desta investigação depois há de dizer se efetivamente esta situação se confirmou ou não». O maior número de crimes que a PSP tem registado são crimes contra a propriedade. «Furtos de oportunidade, furtos de interior de viatura, temos também algumas situações de burla mas são muito residuais».


Este ano, até junho, foram comunicadas sete ou oito situações de burla. Mas João Ramos alerta que não se faz a diferença «sobre se esta denúncia foi efetuada pelo motorista ou pelo utilizador do serviço. Poderá haver situações de ameaça em que o motorista é ameaçado pelo utilizador como poderá ser também o contrário».


«Às vezes, quando há uma ou outra situação que é mais mediática ou que acaba por ser mais falada, depois regista-se um número maior ou de queixas ou de denúncias, o que não significa por si só que estas situações estejam a aumentar», acrescenta.

Fiscalização aumenta


Desde 2018, altura desde que existe a lei dos TVDE, o número de queixas tem aumentado mas João Ramos considera normal. «No início que foi publicado a lei não havia muitas ocorrências, temos vindo a registar um número superior, crescente, de ocorrências. O que significa que, por um lado, temos muitas pessoas a utilizar os serviços, seja utilizadores registados como utilizadores TVDE, seja pessoas que utilizam os serviços e, por outro lado, temos uma maior preocupação com este setor e é onde incidimos parte da nossa fiscalização».


A PSP, em conjunto com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e com a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), tem aumentado a fiscalização ao setor dos TVDE, até pelas queixas que recebem, incidindo as operações em Lisboa, Porto e Faro.


Destas operações de fiscalização encontra-se «um bocadinho de tudo». Uma das infrações mais encontrada é a prestação de serviços TVDE fora da plataforma. Mas também a intermediação de serviços TVDE por motoristas que não preenchem os requisitos do artigo 10 da lei dos TVDE, como ter carta de condução ou terem autorização e terem frequentado o curso com aproveitamento para poderem exercer a atividade.


João Ramos fala ainda num «número razoável» de veículos TVDE que não têm qualquer sinal exterior do tipo de serviço que prestam. E existe ainda um número reduzido de veículos que não estão inscritos em qualquer plataforma e que, por isso, não estão legais.


Mas há outras. TVDE estão sujeitos a inspeção periódica um ano após a matrícula e muitos não a fazem ou então circulam sem qualquer seguro ou sem o seguro específico para este tipo de viaturas que transportam passageiros.

Um crime europeu


Em números, o responsável da PSP diz que em 2019 foram registadas 191 infrações, 187 em 2020, 202 em 2021. Em 2023 o número subiu muito, para 619 mas, olhando para os primeiros seis meses deste ano, as infrações são ‘apenas’ 143. «Isto significa que, se mantivermos o nível de fiscalização e o mesmo nível de infrações, este ano teremos menos infrações que em 2023», defende João Ramos.


Num esclarecimento enviado ao nosso jornal, a PSP alerta que tem vindo a acompanhar o fenómeno da angariação ilegal para serviços de transporte de passageiros, «que se verifica um pouco por todos os aeroportos europeus e consiste numa prática de abordagem de potenciais clientes que são aliciados com a prática de preços mais baixos». E como é que se processam estes crimes? «Os suspeitos alegam ser profissionais legalmente habilitados para realizarem esse transporte, quer através da plataforma TVDE, quer através de serviço táxi, ludibriando os passageiros que interpelam e levando-os a acreditar que estão devidamente credenciados para o efeito, cobrando valores que não estão estipulados em nenhum diploma legal».


Em algumas situações, quando chegam ao destino, «são confrontados com valores completamente diferentes dos acordados, sendo vítimas de burla, de extorsão ou especulação, de acordo com o caso em concreto, práticas estas que constituem crime».


A PSP informa ainda que os crimes de especulação, burla ou extorsão, bem como os ilícitos contraordenacionais, «são difíceis de comprovar, pelo que a PSP tem adotado táticas e técnicas policiais que, dentro do quadro legal vigente, melhor se adequam à realidade apurada em cada momento», alertando que a maioria dos indivíduos que se dedica a esta prática são conhecidos da Polícia mas a angariação de clientes «configura uma contraordenação e não um crime, o que limita a capacidade de atuação da Polícia (apenas em flagrante delito). Estes indivíduos não podem ser expulsos dos aeroportos apenas por se dedicarem a esta prática contraordenacional».

Queixas aumentam


Dados do Portal da Queixa enviados ao Nascer do SOL mostram que, analisando o período de 1 de janeiro a 9 de outubro, em 2023 foram registadas 918 queixas contra TVDE – Uber, Bolt e Kapten – e este ano o número subiu quase 20% para 1101. Os dados mostram que o mês com mais reclamações foi julho – com um total de 148 queixas – e o menor foi maio, com 85. Outubro, só até ao dia 9, já conta com 46.


O principal e mais expressivo motivo para as reclamações, segundo a análise do Portal da Queixa, é a cobrança indevida, que corresponde a 43,4%. Segue-se o bloqueio ou ativação da conta, com 10,6% e valor excessivo a alcançar os 7,8%. A lista conta ainda com o facto de o motorista não aparecer (5,8%) e condução perigosa (5%).


As burlas são, claro, também um motivo de queixa. Os números do Portal da Queixa mostram que em 2023 foram registadas pelo portal 68 burlas de TVDE, um número que subiu para 71 este ano (+4,4%).

103 euros por uma viagem de 3,80


Agora, a nova tentativa de burla – que tem crescido muito também nos EUA – está relacionada com taxas de limpeza. Ao Nascer do SOL, Ana, vítima, conta-nos como tudo se passou: «Pedi um Uber e toda a viagem e processo correu de forma normal mas passado uns dias foram-me retirados 80 euros da conta». Sem perceber que valor era aquele, tentou apurar junto da empresa que explicou que era uma taxa de limpeza por ter sujado a viatura. «Tinham fotos de vómito e tudo. E eu não vomitei, foi uma viagem normal». Apesar de ser difícil provar a inocência quando há supostas fotos como prova, Ana conseguiu passado pouco mais de um mês ser ressarcida. Mas nem todos têm a mesma sorte.


Em setembro deste ano, Lá Sousa queixou-se ao Portal da Queixa. «Foram-me tirados 103 euros na conta por uma viagem de 3,80 euros. Mandei uma mensagem para a Uber para saber o que está acontecendo, enviaram-me uma mensagem a dizer que foi cobrada uma taxa de limpeza. Enviaram-me fotos nojentas de vómitos num carro que nem sei de quem é», escreve.
Feitas as contas de queixas e burlas, as críticas aos TVDE têm sido cada vez mais, pelo menos nas redes sociais e na comunicação social. E são muitos os que trabalham para este setor. Dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) enviados ao nosso jornal referem que, a 30 de setembro deste ano existiam 72.370 certificados de motorista TVDE ativos. E, desde a legalização do setor, em 2018, foram pedidos 84.619 certificados.
O IMT adianta ainda que caducaram, até essa data, 12.249 e que, dos mais de 72 mil certificados, 6.563 são renovações. E o IMT garante: «Todos os motoristas com certificado de motorista TVDE cumprem os requisitos legais». Algo que as fiscalizações das autoridades policiais não confirmam.

O que dizem as plataformas


Fonte oficial da Uber garante que a plataforma é cada vez mais procurada e que já realizou mais de 200 milhões de viagens em Portugal. «Estamos absolutamente empenhados em garantir a segurança de todos os que utilizam a nossa plataforma», garante a mesma fonte, acrescentando que «os padrões de segurança dos serviços prestados através da plataforma Uber são os mais exigentes de todos os serviços de mobilidade urbana».


E diz que fornece aos clientes e motoristas «um vasto leque de ferramentas e funcionalidades para garantir a sua segurança, antes, durante e depois da viagem». Sobre as críticas às queixas apresentadas a Uber não responde, remetendo apenas para notícias que provam o contrário.


Já a Bolt diz que não tem recentes queixas sobre reembolsos fraudulentos de limpezas. «Os casos de pedidos de reembolso para limpeza de automóveis são extremamente raros e, ao submeter um pedido, os motoristas devem apresentar provas e uma fatura oficial dos serviços de limpeza antes de serem reembolsados», acrescentando que quando a empresa recebe queixas dos motoristas ou passageiros, realiza «uma investigação interna e comunicamos com ambas as partes para compreender as circunstâncias do incidente e aplicar a resolução adequada ao caso».


No caso de abusos por parte dos motoristas, a Bolt explica que «tem uma relação com frotas parceiras, que por sua vez trabalham com motoristas. Em casos de fraude, questões de segurança e incumprimento geral da lei TVDE, os motoristas podem ser excluídos da plataforma».