O Matuto gosta muito de janelas. Tem gente que fala das “mulheres da sua vida”. O Matuto enumera “as janelas da sua vida”. A primeira coisa que o Matuto faz numa casa nova é ajeitar as suas ‘bugigangas emocionais’ em volta da janela. O busto do Mozart, o elefante de madeira, as caixinhas niqueladas, os cachimbos, e naturalmente os livros… sempre os livros. As janelas não são herméticas, pelo contrário são generosas. Espelham pedaços de vida, lágrimas, risos loucos, fúrias e penumbras. Quando o Matuto muda de janela, muda de alma.
O Matuto recorda uma janela de águas furtadas, onde os dias de chuva sistematicamente Inglesa, eram panorama de árvores bicadas por pássaros, águas desatadas em enxurradas impetuosas, formando poças onde os gaiatos brincavam numa euforia livre. Numa encarnação da Catherine do “Monte dos Ventos Uivantes”, o Matuto sentia-se em busca de liberdade e aventura.
A janela dá-nos mundo, e ganhamos corpo à janela – matuta o Matuto. Ruas quietas, melancólicas, frenéticas, pátios, colinas, rios preguiçosos, gatos vagabundos, pináculos de Igreja, pracinhas Parisienses, candeeiros solitários. O Matuto já viu bêbados a rolar na rua, homens a bater em mulheres, afogados da noite dando à praia, operários equilibrando-se em telhados, namorados a jurar amor, a moça a sair para o casório, o drogado a levitar, o morto a ser transportado, a mãe voltando da maternidade com o bebé, o velho a caminhar trôpego para o café, o mendigo a estender a mão, o executivo a entrar no BMW todo aprumado, o carteiro na sua faina, a velhinha de saco de plástico e lenço aconchegando os cabelos cinza… E as cores? O Matuto é daltónico, mas reconhece o calor da aurora, vermelha; a fruta, amarela; o crepúsculo, meio cinzento; as folhas caídas, castanhas… “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf – pondera o Matuto, investigando o fluxo das coisas. A transição.
E o Matuto viaja para outra janela: “A Janela Indiscreta”, filme de 1954, dirigido pelo inevitável Hitchcock. E James Stewart, confinado, cativo, capturado por aquela janela que lança suspeições e acende crimes. E Grace Kelly (sublime!) sofisticada na sua pose distante. E a força hipnotizante da janela. E a vida fascinante da mulher do outro lado da janela. E a modernidade. E o voyeurismo. E a privacidade. Ausente, todavia presente no olhar do outro. A vida alheia é sempre suculenta – remata o Matuto.
O Matuto já mudou de bairro, de cidade e de país, muitas vezes. Aproxima-se nova mudança. Uma nova janela. O Matuto anda meio desandado de andanças. E na dança e contradança de mudar de janela e acomodar as suas ‘bugigangas emocionais’, o Matuto vai pensando não mais em ir, mas em ficar; não mais em procurar, mas em conhecer; não mais em desejar, mas em habitar. Na contramão da personagem Jane Eyre de Charlotte Bronte, que se abeirava da janela para dar asas à imaginação, o Matuto fica pelo concreto. E faz uma pequena vénia à sua janela… Às suas árvores cambiantes, à sua ressaca de chuva, à sua calma ruidosa, aos seus pássaros líricos, às suas ilhas, ao seu mar, à sua noite, à sua luz. “À minha janela” – pontua o Matuto.