Estádio Monumental Antonio Vespucio Liberti. Antonio foi o maior presidente do River Plate. Também lhe chamam Estádio Monumental de Núñez embora não fique no bairro de Núñez, zona fina de Buenos Aires, mas no vizinho bairro de Belgrano, também ele de gente finíssima. Para a memória fica o ano de 1978, 85 mil pessoas na Final de Los Papelitos, entre a Argentina e a Holanda, primeiro título mundial para os argentinos. Para a memória de Toni, o nosso António de Mogofores, a memória maior teve lugar dez anos antes. Era um rapazinho de 22 anos, chegado ao Benfica, vindo da Académica, ali à mistura com os monstros todos, de Coluna e Eusébio, a Simões e Torres. 1968. «Tinha acabado de assinar pelo Benfica e fui logo numa digressão ao Brasil e à Argentina. E correu-me bem. Neste estádio marquei um golo ao Santos do Pelé. E um bom golo!». Isto contou-me ele numa noite no Koweit, em sua casa, no bairro de Salmiya, não muito longe do Estádio Paz e Fraternidade, onde dirigia, então, os treinos do Kazma Sport Club. E o Benfica-Santos jogou-se no Monumental. Uma personagem acima de todas as outras: nem Eusébio nem Pelé; Toninho: quatro-golos-quatro, como nas touradas. 7, 32, 47 e 65 minutos. Foi de apavorar uma matilha de samoiedos. Os golos do Benfica foram aos 49 e 87 minutos. O segundo foi de Calado. O primeiro foi de Toni! Com ponto de exclamação. Tinha entrado a substituir José Augusto. «Rematei de longe. Com muita força! Foi uma verdadeira pedrada!». Gilmar nada pôde fazer. O tal Toninho era Toninho Guerreiro. Já morreu. O Toni está bem vivo, vai fazendo anos. Entrou esta semana nos 78. Como é que é possível? Tinha razão aquele que disse: os dias passam devagar, os anos é que passam a correr.
Depois doSantos, Toni voltou a jogar no Monumental, desta vez a titular, no Benfica-River Plate. Jogo de encher o olho guloso: 3-3. Na baliza do River, o internacional argentino Carrizo. «Voltei a fazer o mesmo que tinha feito ao Gilmar. Um pontapé de fora da área e bola no canto». Na véspera, os tanques soviéticos tinham entrado em Praga. «Tenho boas recordações daquele estádio», suspirava o Toni… Era noite cerrada no Koweit. Chovia. Ele espreitava pelo vidro da varanda do décimo segundo andar, disperso nas memórias espalhadas pelas margens do Chat-El-Arab…
Fernando Assis Pacheco foi, para mim, não apenas um amigo: foi um mestre! Fez o favor de me ensinar uma ou duas coisas sobre jornalismo. Fez-nos a todos o favor de deixar escritas algumas das páginas mais brilhantes da imprensa portuguesa. Era insuspeito de ser do Benfica: era da Académica e do Atlético. Mas algumas das suas entrevistas a jogadores do Benfica tornaram-se inesquecíveis. Hoje recordo uma, ao Toni, no desaparecido O Jornal. Em 1988. Vinte anos após o primeiro golo de Toni pelos encarnados. Dez anos depois da final doCampeonato do Mundo. As palavras são do Fernando: «Ele era um rapazinho provinciano quando a Académica o foi desencantar, ainda júnior, e misturava a habilidade com a ingenuidade. Chamaram-lhe, por isso, Craque Saloio, alcunha que torneou ao enveredar pelo profissionalismo de alta competição. Hoje, quase um quarto de século depois, Toni prepara como treinador a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, onde o seu Benfica tem um osso holandês (PSV Eindhoven) para roer no próximo dia 25. Ganhe ou perca, o bairradino pede aos deuses dos estádios que seja com a máxima dignidade. Mas lá no fundo está ansioso pela grande e quente lágrima de júbilo».
O Craque Saloio foi epíteto usado pelo enorme Mário Wilson, outro mestre, e que mestre! O Toni encolhia os ombros e desabafava ao Fernando: «Isso tem a ver com Coimbra, com o rapazinho que chega de Mogofores, despretensioso, vindo de uma aldeia, e que encontra a sua primeira barreira – uma pequena cidade. Há lá jogadores que já tinham o cu mais calejado do que o de um macaco, com uma vivência coimbrã muito grande. Veja o que era um menininho recém-chegado no meio de homens com grande traquejo e naquele ambiente de gozo ao caloiro. Não foi só o Capitão [Mário Wilson], foram outros. Estou a lembrar-me do Maló, que ficava chateado e realmente chamava-me Craque Saloio porque levava com os cortes e então eu ia lá buscá-las dentro da rede. É que eu continuava a chutar no fim dos treinos e dava-lhe umas em curva e ele ficava assim um bocado…».
Ah! Eu gosto do Toni! Gosto tanto do Toni. É daqueles companheiros fraternos de muitos anos, de muitos lugares, de muitas aventuras e desventuras. Fez 78 anos, dizem.Ou diz o calendário. Que importa? OToni, meu conterrâneo da Bairrada, não soma anos porque é infinito!