Poucas horas após o anúncio dos resultados eleitorais rebentaram tumultos violentos nos bairros periféricos da cidade de Maputo.A população saiu às ruas, revirou contentores e interrompeu a circulação em vários pontos de entrada na cidade.
O Nascer do SOL, pode confirmar que a principal via de acesso à capital moçambicana que assegura a ligação à África do Sul, se encontra bloqueada.
Igualmente, a estrada que permite a circulação para o porto de Maputo – o principal do país – está cortada por manifestantes. No local avistámos camiões do exército, mas não houve até ao momento qualquer movimentação por parte dos militares.
Há relatos de apedrejamento de veículos e de entrada de vítimas no hospital José Macamo, situado na entrada sul da cidade.
Moçambique foi a votos há cerca de 15 dias
Foram as sétimas eleições destinadas a escolher o Presidente da República e a composição da Assembleia Legislativa; e as quartas eleições provinciais – que definem a presença das várias forças políticas nas assembleias de cada uma das 11 províncias que integram o país, e a escolha do respetivo governador.
São 35 partidos e quatro candidatos presidenciais, que disputam os votos de mais de 16 milhões de eleitores.
«No fim ganha a FRELIMO. Fraude!», acusa a oposição.
«Trabalho!», responde o partido no poder desde a independência, há quase 50 anos.
Não creio que a notícia seja a vitória da FRELIMO, ou as acusações de fraude por parte da oposição. Há 30 anos que é assim.
De facto, desde outubro de 1994 – data da realização das primeiras eleições multipartidárias em Moçambique – a oposição acusa a FRELIMO dos mesmos factos: enchimento de urnas, adulteração de cadernos eleitorais, sonegação de editais, cerceamento do trabalho dos observadores eleitorais.
E, durante todo este tempo, as declarações dos observadores internacionais foram sempre idênticas:
– «Sim, houve problemas. No entanto, é nossa convicção, que sem fraudes o resultado final não seria substancialmente diferente».
Declarou-nos, aquando da realização do plebiscito que levou Filipe Nyusi à Presidência, em 2015, o então embaixador dos EUA em Moçambique, Dean Pittman.
Insistimos:
– A posição oficial dos EUA é a que as eleições foram justas?
– «Sim».
Pela mesma bitola alinhou a UE
As presentes eleições contaram com cerca de 30 mil observadores e 2400 jornalistas segundo a CNE. Da UE, da CPLP, da União Africana e da SADC.
Mas, de novo, arrisco-me a pensar que também daqui não haverá notícia.
Vigiaram ainda o processo, 54 mil delegados da FRELIMO e 88 mil nomeados pela oposição.
Ou seja, distribuídas pelos 8.737 locais de voto houve mais de 100 mil pessoas que não são afetas à FRELIMO.
Estes dados não demonstram a impossibilidade de fraude generalizada, mas dão pelo menos uma ideia da complexidade do empreendimento.
Os incidentes denunciados parecem demonstrar que, de facto, existem, espalhadas pelo todo nacional, diversas fraudes eleitorais.
Parecem igualmente demonstrar – segundo os observadores – que essas ações não são cometidas só por um partido.
A RENAMO foi historicamente o segundo partido mais votado.
Contestou sempre os resultados, reivindicando a vitória.
O facto é que essa reivindicação nunca pôde ser demonstrada nem junto dos órgãos eleitorais, nem dos tribunais competentes.
Nunca nenhuma organização internacional sustentou publicamente a reivindicação.
Quando Afonso Dhlakama – o líder histórico da RENAMO – era vivo, o partido optou por um caminho que acabou por prejudicar fortemente a imagem da RENAMO.
Não aceitando os resultados e ao mesmo tempo que mantinha um grupo parlamentar em funções, a RENAMO realizava, indiscriminadamente, ataques à mão armada na estrada nacional sobre quem se arriscava a passar o rio Save e entrar na província da Beira, seu bastião tradicional.
Notícia é que o país mudou
A demografia galopante de Moçambique dá os primeiros sinais. Que os milhões de jovens, que a cada ciclo eleitoral adquirem o direito de voto, buscam quem lhes garanta um futuro diferente.
Que muitos escolheram Venâncio Mondlane e o partido PODEMOS, fundado em 2019.
Não será por acaso que a FRELIMO escolheu como seu o mais jovem candidato de sempre: Chapo tem 47 anos, o único dos concorrentes à presidência nascido depois da independência nacional.
No processo relegaram a RENAMO e o seu líder, para um inimaginável terceiro lugar.
Os resultados finais ditam que dos 250 deputados, a FRELIMO conseguiu eleger 193 no território nacional e dois na diáspora. O PODEMOS está em segundo lugar, com 31 assentos, seguido pela Renamo com 20 lugares. O MDM elege quatro.
Para a Presidência, Daniel Chapo, candidato da FRELIMO, obteve 70 % dos votos, seguido por Venâncio Mondlane com 20%.
Momade, conseguiu 5.% – Dhlakama havia conquistado 37% na última eleição a que concorreu.
Lutero Simango, do MDM, ficou com 3%.
Também nos círculos eleitorais fora de Moçambique – onde pela diversidade de entidades envolvidas a fraude eleitoral se revelaria mais complexa – Chapo vence, mas com resultados díspares.
Consegue uns esmagadores 89% no círculo eleitoral de África, a maior percentagem de todos os círculos eleitorais; fica-se apenas por 50% no círculo eleitoral do resto do Mundo –em linha com o resultado obtido em Maputo-cidade, onde não foi além dos 53%.
O caminho parecia aberto para Venâncio, que tem 50 anos, entender os sinais e assumir- se como alternativa séria, congregando os votos da oposição que lhe falharam desta vez aprofundado o seu apelo junto dos jovens que determinarão, em cinco anos, quem será o próximo Presidente.
No entanto, não resistiu ao entusiasmo dos números apurados pela sua candidatura e optou, poucos dias após o acto, por se assumir como vencedor.
Convocou uma manifestação e uma greve geral para o passado dia 21 de Outubro, como forma de «o povo tomar o poder».
Três dias antes, a 18, são assassinados a tiro, no centro de Maputo, Elvino Dias, assessor jurídico do candidato presidencial, e Paulo Guambe, mandatário nacional do PODEMOS.
Daniel Chapo rapidamente condenou o acto.
Numa desastrada declaração inicial, a 19, as autoridades policiais apontam razões passionais como o móbil do crime.
O PODEMOS diz que foi uma «encomenda política».
No mesmo dia, o ministro do Interior, condenando o acto em nome do Governo, apela a que «se evite a desinformação».
Os crimes são denunciados em todo o mundo.
O histórico de casos semelhantes ocorridos nos últimos anos em Moçambique não permite grandes esperanças no apuramento da verdade.
Os crimes e a manifestação definem um agravamento decisivo da tensão pós-eleitoral.
Em rigor, as manifestações realizadas em diversas províncias, poucas centenas de pessoas reuniram.
O apelo de Mondlane não conseguiu a adesão esperada pelo candidato e temida pelas autoridades que, na véspera, intensificaram o aparato policial no país.
A actuação excessiva da polícia sobre manifestantes e jornalistas acabou por tornar a situação trágica.
Sem qualquer respeito, quer pelo direito de manifestação, legalmente consagrado, quer pelo trabalho dos jornalistas, a polícia empenhou-se em dispersar os manifestantes disparando gás lacrimogéneo.
Em fuga, boa parte refugiou-se no bairro do Maxaquene, na periferia da cidade de cimento.
A polícia invadiu o bairro e terá usado, segundo várias denúncias, munições letais.
A população reagiu violentamente. Foram cortadas estradas e queimados pneus na via pública.
Há pelo menos uma vítima mortal confirmada e vários feridos.
A comunidade portuguesa na sua maioria vive alheada do processo eleitoral.
E, consoante a experiência que tem de Moçambique reage às manifestações de forma distinta: os que residem há mais tempo em Moçambique não estranham. Limitam-se a ficar fechados em casa à espera que a tempestade acalme.
O maior receio é entre os que chegaram há menos anos, para quem este tipo de agitação politica e a subsequente ação policial são uma perturbante novidade.
Mas, ainda assim, não conseguimos falar com um único português que se mostre com vontade de partir.
A Escola Portuguesa encerrou no dia da manifestação