O dono da Cova da Moura

A ocupação ilegal do bairro começou perto dos anos 60 e nunca mais parou. Donos não querem retirar ninguém mas querem ser ressarcidos.

Definir a Cova da Moura nem sempre é fácil e depende sempre do ponto de vista de quem recebe a pergunta. Para quem é de dentro, é um sítio pacífico, de gente boa, de entreajuda e muita união. Quem está de fora nem sempre pensa o mesmo e associa muitas vezes o bairro a problemas, crimes, drogas e desacatos.


Atualmente habitado por cerca de seis mil pessoas, os problemas existentes neste bairro do município da Amadora não são recentes e uma das grandes preocupações remonta ao seu início. É que aqueles terrenos têm dono: pertencem maioritariamente à família Canas, que está cansada da situação e de esperar por compensações prometidas pela perda de património. O bairro é, portanto, habitado de forma ilegal e muito embora os seus habitantes paguem IMI, as casas onde residem foram construídas sem qualquer licenciamento.


Os contactos com a Câmara Municipal da Amadora têm sido muitos mas até agora nada ficou resolvido.


A antiga presidente da Câmara Municipal da Amadora, Carla Tavares chegou a falar sobre solucionar a carência habitacional daquelas pessoas mas esse é um problema que demora a ser solucionado. A autarquia terá de adquirir terrenos (privados), preparar os procedimentos e concretizar novas construções. «Achamos que, razoavelmente, entre aquisição de terrenos, preparação de procedimentos e construção estamos a falar seguramente de 10 a 15 anos», estimou. E isto foi em 2021.


Aos dias de hoje, a Cova da Moura é um mundo. Tem cafés, mercearias, cabeleireiros, escolas e diversas associações que ajudam todos aqueles que lá vivem.


O problema é mesmo ter dono que, ainda que não queira tirar de lá ninguém, quer ser ressarcido daquilo que é seu. Francisco Canas era o dono. Tinha ali um terreno maioritariamente agrícola que deixou de usar. Agora, o atual representante da família é o neto, Pedro Canas Vigouroux que tem contado a história.


Foi na década de 60 que começaram a surgir as primeiras construções de pessoas oriundas de África, maioritariamente Cabo Verde. Ao início eram sobretudo casas de madeira e barracas mas depois começaram construções mais robustas. Essa mudança acontece por altura da descolonização. Pessoas que vinham para construir a sua vida a partir do zero. Muitos portugueses também.


«Foi sobretudo gente que veio para trabalhar nas obras, pessoas de trabalho. Não tinham para onde ir e foram fazendo as suas casas. Da nossa parte, da nossa família, não é uma necessidade tirar de lá as pessoas. Não queremos tirar de lá ninguém, Só queremos ser compensados e ver o assunto resolvido», disse ao DN o filho de uma das proprietárias do terreno. «Passam-se quase 50 anos sobre tudo isto e continuamos sem a propriedade que é nossa. Se há dinheiro do Estado para muitas outras coisas, para despejar em bancos, companhias aéreas e empresas privadas de gente que as deixou em má situação, também há de haver, com certeza, dinheiro para nos compensar de tudo isto». Mas sem soluções até agora. Nem do Estado, nem da autarquia que já disse por várias vezes não conseguir resolver o problema sozinha.


A Cova da Moura é um bairro multiétnico, construído sem licenciamento e que já se tornou uma parte da história da Amadora. É classificado pela PSP como zona urbana sensível mas há cada vez mais associações culturais que têm tentado mudar essa imagem, como é o caso da Moinho da Juventude. Construído principalmente por migrantes oriundos de África, o maior fluxo de habitantes chegou após o 25 de Abril. Muitos vinham dos PALOP e procuravam emprego em Lisboa. Metade dos habitantes têm menos de 30 anos, o que faz da Cova da Moura um bairro habitado essencialmente por jovens.


No total, ocupa 19 hectares que pertencem maioritariamente à família Canas. A questão cadastral é um problema que acompanha a história do bairro há quase 50 anos.