América dividida pode ditar vitória de Trump

Kamala Harris estagnou nas sondagens e não consegue mobilizar o seu potencial eleitorado. Trump aposta nos fiéis e nos insatisfeitos com a política de sempre.

Faltam sete dias para os americanos irem às urnas e aquilo que se tinha tornado impossível aos olhos de muitos americanos quando a 6 de janiero de 2021 milhares de apoiantes de Donald Trump invadiram o Capitólio e deixaram um rasto de destruição e medo entre os congressistas, pode afinal estar prestes a acontecer. Passados quatro anos, o ex-Presidente dos Estados Unidos não só conseguiu voltar a ser o candidato dos republicanos, como, de acordo com as sondagens, tem fortes probabilidades de voltar a ser o inquilino da Casa Branca.


Do lado dos democratas, a gestão política não foi a melhor para evitar o fator Trump. Confortáveis no poder, os democratas apostaram até à última na recandidatura de Joe Biden e nem a idade avançada do Presidente gerou hesitações até há poucos meses, quando uma escolha alternativa era já praticamente impossível. Foi só no final do mês de julho, após um desastroso frente-a-frente com Donald Trump, que Joe Biden tomou a decisão que se tornava inevitável se os democratas ainda quisessem evitar a derrota. O Presidente desistiu de ir a votos e indicou Kamala Harris, a sua vice-Presidente, como a sua escolha para a corrida à Casa Branca.

Uma escolha duvidosa


Ao longo do último mandato na Casa Branca, Kamala Harris nunca entusiasmou os democratas. Como número dois de Joe Biden foi uma figura apagada, que viveu na sombra do Presidente, a quem foi entregue a pasta da imigração, um problema que continuou a agravar-se nos últimos anos, com as fronteiras com o México em tensão crescente e com a entrada de milhares de imigrantes ilegais nos Estados Unidos. Os vários estudos de opinião encomendados pelos democratas, demonstraram sempre que a vice-Presidente não era uma boa escolha para a corrida à Casa Branca, mas o evoluir dos acontecimentos e a derrocada nas sondagens depois do debate entre Trump e Biden, em que o Presidente deu mostras de incapacidade no discurso e na argumentação, deixaram os democratas sem outra opção que não fosse mudar de candidato à última hora e, na ausência de outra opção, a escolha recaiu sobre Kamala, acreditando que o efeito novidade seria o bastante, para recuperar espaço a Trump.


Num primeiro momento a aposta em Harris entusiasmou e as primeiras sondagens foram logo dando nota disso. Finalmente os democratas começaram a disparar nas sondagens e a candidata chegou à Convenção de agosto na situação ideal para ser confirmada pelo partido, num ambiente de grande euforia. O momento foi aproveitado pelos técnicos de campanha para mostrar uma candidata jovem (Kamala acaba de fazer 60 anos e Donald Trump tem 79), mulher e dinâmica. No início a estratégia resultou, mas há medida que o tempo passa, o entusiasmo parece esbater-se e depois de um primeiro momento em que as sondagens dispararam, há muitas semanas que essa tendência foi substituída por uma estagnação e por um aparente empate com o seu adversário.


Apesar dos muitos apoios que todos os dias surgem ao lado da candidata democrata (só esta semana marcaram presença nos comícios de Harris, Beyoncé, Bruce Springsteen e mais umas quantas estrelas da música countrie), vários analistas apontam a ausência de ideias e propostas claras, como justificação para uma diminuição do entusiasmo com a candidata. “Ninguém sabe ao certo ao que é que ela vem, o que pensa sobre as questões determinantes e isso é um problema para os eleitores americanos”, diz-nos uma analista da política norte americana. Numa situação de empate nos chamados swing states, os estados determinantes para darem a vitória aos candidatos, são muitos os que começam a temer que a incerteza acabe por pender para uma vitória de Donald Trump.

Desmobilização pode dar a vitória a Trump


É a desmobilização de setores determinantes que pode consagrar a vitória do ex-Presidente nas eleições de 5 de novembro. A campanha de Kamala Harris apostou tudo no argumento do medo para tentar mobilizar setores determinantes do eleitorado como as mulheres e o voto negro. Mas os argumentos da candidata democrata não parecem ser suficientes para tirar de casa os eleitores que podem fazer a diferença.


Do lado republicano, as acusações de que Harris não tem capacidade para vir a ser Presidente dos Estados Unidos, juntamente com uma campanha agressiva de Donald Trump, mostram que há razões para acreditar numa vitória do milionário de Nova Iorque e a memória do episódio do assalto ao Capitólio, juntamente com o não reconhecimento dos resultados eleitorais das eleições de 2020 parece estar esquecida.


Trump tem conseguido segurar os fiéis e os Estados do chamado ‘cinto da ferrugem’, que têm um peso determinante para determinar o vencedor (o Presidente não é eleito por voto direto, mas sim através de um colégio eleitoral), tal como em 2016, continuam a dar sinais de grande insatisfação com uma América pós-industrial, que deixou para trás grande parte destas populações.


Vários analistas consideram que, tal como no passado, as sondagens publicadas podem estar longe da realidade. Apesar da má imprensa, a verdade é que o retrato de “uma América dividida”, descrito por J.D.Vance, o número dois de Donald Trump, continua a corresponder à realidade de milhares de americanos que apostam na rotura e a quem Kamala Harris ainda não conseguiu convencer.