Também eu, bruto, escrevo sobre o ‘caso Odair’. Embora não sobre ele, em si mesmo, pois, ao contrário do que se poderia supor olhando para a vozearia que por aí andou e anda, sei pouco sobre ele, e não é por ser cego ou surdo. É apenas porque a esmagadora maioria da vozearia não me diz nada sobre o caso, realmente, não me esclarece sobre os factos, ou seja, sobre aquilo que tem sempre de vir antes de qualquer opinião: o quando, o quem e, sobretudo, o como. Factos são factos, opiniões são opiniões. E se todos têm direito à sua opinião, ninguém tem direito aos ‘seus’ factos. E colocar a opinião antes de sabermos os factos é um erro, é uma enorme precipitação. Mas também é o costume, e este caso não é filho único da enormíssima precipitação que é uma das marcas dos tempos modernos. Ora, já tudo se discutiu, e amiúde aos berros, sem que saibamos na verdade ainda o que aconteceu. Haveremos de saber, melhor ou pior, mas lá chegaremos; de um modo que é o próprio, ou seja, através do apuramento pelas autoridades e segundo as regras que existem para apurar essas coisas. Por alguma razão existem umas e outras, embora pareçamos todos, na excitação do entretenimento e na húbris da opinião, esquecer isso.
Pode ter sido uma reação excessiva? Pode, mas não sabemos ainda. Pode não ter sido? Sim, igualmente. Pode haver influência de algum racismo individual? Pode, mas também pode ser que não, não sabemos. Há no que aconteceu manifestações de um óbvio racismo estrutural que existe em Portugal, mesmo que amiúde escondido ou envergonhado? Sim, pode, mas não sabemos, há que averiguar os factos. E também pode não ser nada disso. Tudo temas importantes, tudo muito relevante, estes e muitos outros, como a necessidade de defesa dos agentes policiais, como as questões da gentrificação das cidades, da guetização, da ordem, da autoridade, da organização das forças de segurança, et cetera e por aí fora. Tudo muito carecido de discussão e reflexão. Mas não é agora, neste momento, a respeito do ‘caso Odair’, porque nós não sabemos quais dessas coisas têm aplicação ao caso. E estarmos a discutir já, tem dois problemas (pelo menos): um, um enorme viés, porque a discussão está contaminada por suposições e perceções sobre o caso, e não assenta em factos; outro, porque além desse viés, há uma contaminação emocional que estraga tudo, e leva a que tudo seja discutido uns valentes decibéis acima do tom adequado – e isto para já não falar na contaminação ideológica, ou no descarado aproveitamento político de um lado e de outro dos extremos que sempre têm maior propensão para cavalgar essas coisas.
Eu não sei ainda quase nada sobre o ‘caso Odair’, a não ser que há vidas individuais que estão em causa, e gravemente, ainda que de maneiras diferentes. Há pessoas envolvidas, antes de tudo o mais, e isso é o essencial. Depois, também sei que houve um acontecimento que carece de averiguação e que ela acontecerá, no lugar próprio e seguindo as regras próprias. E, depois disso, sei que terei opinião. Agora, não sei mais nada, a não ser uma coisa que já sabia há muito, e que comprovo a cada dia e a cada ‘caso’: estamos no tempo das perceções, da rapidez, das frases curtas, das ideias breves, da polémica, das certezas fáceis, das irritações, das hipérboles, da falta de diálogo.
Advogado