Os pratos da balança

O Chega, que ultimamente tenho criticado pela estratégia errada que seguiu no OE, teve a virtude de equilibrar os pratos de uma balança que há meia dúzia de anos, nestas questões da ordem, se inclinava totalmente para a esquerda.

No Ocidente, a morte de um negro pela Policia tem uma grande carga simbólica e é passível de um grande aproveitamento político e mediático.

Lembremo-nos do que aconteceu nos EUA com a morte de George Floyd: a América ficou a ferro e fogo. Era evidente que a morte de Odair Moniz por um agente na PSP provocaria desacatos e seria aproveitada pela esquerda, sobretudo pelo BE, para falar da violência policial, do racismo dos agentes, do fascismo, da discriminação social, dos guetos urbanos, etc.

E o Governo poderia ser tentado a não responder.

Nestas alturas, os governos por vezes acanham-se, acobardam-se, revelando algum sentimento de culpa.

Chegam mesmo a assestar baterias contra as forças da ordem – como aconteceu não há muito tempo, embora num contexto um pouco diferente, após a morte de um cidadão ucraniano por agentes do SEF.

O então ministro Eduardo Cabrita culpou a instituição no seu conjunto, criticou-a duramente e decidiu mesmo extingui-la.

Ora, este é o primeiro ponto a reter: quando ocorrem factos deste tipo, o poder político não se pode colocar contra a Polícia. Por mais erros que a Polícia cometa, o Governo e o Presidente da República têm de tornar claro que eles e a Polícia estão do mesmo lado: estão do lado da manutenção da ordem pública.

Pode haver um erro, mas uma andorinha não faz a Primavera.

O facto de um agente da Polícia ter atuado com precipitação não significa que todos os agentes o façam.

Se numa intervenção policial acontecer um acidente, como agora aconteceu, abre-se um inquérito, pune-se quem tiver de se punir, indemniza-se quem tiver de se indemnizar, reafirmam-se as boas práticas – mas a instituição continua.

Se uma força de segurança conclui que não tem a cobertura do poder político, e que este não a defende, tende a responder na mesma moeda: deixa de atuar com firmeza.

Em lugar de defender a ordem, defende-se.

E isso fragiliza o Estado, porque os seus mecanismos de intervenção se tornam mais débeis.

Quando Mário Soares disse a um batedor da PSP que protegia o autocarro em que seguia numa Presidência Aberta: «Senhor guarda, desapareça!», não mediu bem o que estas palavras acarretavam para o poder que ele ali representava.

Neste aspeto, o Governo esteve agora globalmente bem.                                           

Não cedeu ao politicamente correto e manteve-se sempre ao lado da Polícia. A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, apesar das suas evidentes dificuldades de comunicação, fez o que devia fazer: nos momentos mais quentes, reafirmou a sua confiança na PSP.

Há que dizer, entretanto, o que a generalidade dos comentadores não percebeu: o Governo teve neste transe um poderoso aliado: o Chega.

Excluindo alguns disparates – como aquela frase tonta do líder parlamentar: «se os polícias disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem» –, o Chega não permitiu que se fizesse da PSP a má da fita.

Apoiou-a sempre.

Pensemos no que teria acontecido há meia dúzia de anos, antes de o Chega ter a força que tem hoje: a extrema-esquerda tomaria conta do palco mediático e da rua, o BE encheria o peito e os polícias surgiriam como uns criminosos que se comprazem em perseguir e assassinar negros.

Ora, André Ventura e o Chega, que ultimamente tenho criticado pela estratégia errada que a meu ver seguiram no Orçamento do Estado, equilibraram os pratos da balança.

Se a extrema-esquerda atacava a PSP no Parlamento, acusando-a de racismo, o Chega defendia a PSP; se a extrema-esquerda tentava ocupar o palco mediático, o Chega disputava-lhe o tempo de antena; se a extrema-esquerda queria tomar conta da rua, marcando uma manifestação, o Chega marcava uma contramanifestação.

O Chega fez uma marcação cerrada à extrema-esquerda – e com inteiro sucesso.

É este o balanço político do triste episódio ocorrido no Bairro do Zambujal e que alastrou a outros bairros problemáticos da Grande Lisboa. Há uns anos seria um grande momento de afirmação da esquerda e da propaganda dita antirracista; agora os pratos da balança equilibraram-se. Até porque os partidos do centro-direita, não querendo deixar o Chega a fazer sozinho a defesa da ordem, tiveram de adotar outro discurso.

E gostemos mais ou menos dele, o grande responsável deste novo equilíbrio tem um nome: André Ventura.

P.S. – Noutro plano, comparem-se as reações às mortes de Odair Moniz e Carlos Pina, o barbeiro assassinado recentemente na Penha de França, com mais dois amigos. Por sinal, quer Odair, quer Pina eram negros. E uma morte foi aparentemente acidental e outra claramente intencional. Mas as reações foram inteiramente diferentes: num caso houve indignação e revolta, noutro houve silêncio. Num caso disse-se e repetiu-se mil vezes que o autor da morte foi um polícia, noutro omitiu-se que o atirador era de etnia cigana. A conclusão é fácil de tirar: interessa atacar a Polícia e defender a comunidade cigana. Não sei se está bem ou mal. Mas mostra como a ideologia se sobrepõe aos factos.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt