Agarrem-se que ele vai ganhar

As consequências de uma vitória de Trump serão sísmicas, sobretudo se, como não é de todo inverosímil, os Republicanos vierem também a dominar ambas as Câmaras do Congresso…

Quando esta coluna sair de novo já serão conhecidos os resultados das eleições americanas. É difícil exagerar a sua importância, logo à partida pelo peso global dos EUA: gerador de um quarto do produto mundial, segundo maior exportador, líder destacado na ciência tecnologia e inovação, potência militar mais poderosa e sustentáculo da defesa do ocidente.

Estou seguro que qualquer sondagem feita no ocidente global revelaria o desejo de uma vitória de Kamala Harris (KH). Eu também o desejo, mas não tenho ilusões. Harris é uma candidata pouco convincente e parece mal preparada; não é uma oradora eloquente nem uma fazedora convincente; não é uma mente cintilante nem uma personagem carismática. É, até à medula, um produto de São Francisco e da Califórnia – berço de modismos e tontarias radicais –, claramente desfasada no centro político do país. Tudo isto ficou patente na sua frustrada participação nas primárias de há quatro anos e explica a dificuldade atual da sua candidatura em ganhar tração. Tem como único trunfo o não ser Donald Trump (DT), um sociopata, sexista e racista, buçal e mentiroso, autoritário e sem qualquer respeito pelas instituições da democracia liberal. 

Convém não tomar desejos por realidades. A generalidade dos órgãos de comunicação – talvez devido a um enviesamento à esquerda, que é naturalmente voluntarista – estão em negação há já algumas semanas. Para quem siga as sondagens sem preconceito parece-me claro que elas apontam para uma vitória de DT. Cito três indicadores que suportam esta minha previsão. Em primeiro lugar as tendências temporais dos resultados que, desde o debate, se revelam descendentes elaborada pelo Real Clear Politics, um website dedicado à agregação de sondagens, dão DT na frente em todos os swings states e também, pela primeira vez em muitas semanas, no total nacional (+0,1 pontos). (Para referência, em 28 de outubro de 2016 Hillary Clinton, que perdeu para Trump, registava uma vantagem de 4.6 pontos percentuais.) Finalmente, o modelo do The Economist revela que pela primeira vez desde agosto Trump ultrapassou Harris, e atribui-lhe uma probabilidade de vitória de 53%. 

É bom que nos habituemos à ideia de uma vitória de DT. As consequências serão sísmicas, sobretudo se, como não é de todo inverosímil, os Republicanos vierem também a dominar ambas as Câmaras do Congresso. Interna e externamente, para com aliados ou adversários, o conflito e a turbulência serão as marcas. Internamente, será o conflito com reguladores independentes, imigrantes indocumentados, opositores políticos, Departamento de Justiça e Fed. Externamente, assistiremos ao conflito com os parceiros comerciais (aliados ou não), com a China e com as organizações multilaterais, da OMC à ONU passando pela NATO. A União Europeia, em particular será duramente impactada. Uma eventual guerra comercial espoletada pelas tarifas impostas por Trump custará caro à UE: segundo o FMI, uma redução da taxa de crescimento do PIB da União entre 0,5 e 1 pontos, podendo exceder os 1.5 pontos nos prazos mais imediatos. Por outro lado, o antecipado impulso desregulador da economia nos EUA (cuja promessa assegurou o apoio a Trump dos tecno-libertários do digital), acelerará a inovação e a sua transformação em produto e fará com que a UE pareça, ainda mais, um lento paquiderme. Como se não bastasse, tendo DT uma visão mercantilista das relações internacionais, a Europa terá de pagar muito mais caro para continuar a usufruir da proteção militar americana. Com a ameaça russa, encorajada pela empatia de Trump, mais forte, a Europa, se não quiser capitular, cederá à chantagem americana e terá de desviar para a sua defesa coletiva recursos que destinava a outras prioridades, entre as quais as recentemente expostas no relatório Draghi visando o reforço da competitividade da Europa e a melhoria do nível de vida dos europeus.