O Matuto e o Chato

Os caloro-chatos que dissertam sobre os efeitos das gorduras a cada dentada no pastel de nata. Os transo-chatos que em todo o lado veêm cruzamentos dúbios. O homo-chatos que insistem em exibir em todo o lado, as cores do arco-íris.

O Matuto não gosta de chatos. Ninguém gosta. O Matuto sempre se guiou pela máxima de que “mais vale ser desejado do que aturado”. Todavia, aqui no Brasil ser chato é como uma vocação. E vocação só abraça quem quer. Não é obrigatório! Por isso, ninguém convive de alma aberta com um chato. O Matuto considera que isso seria como ouvir confissões dum penso rápido (band-aid, no Brasil, por favor). Já pensou, amigo leitor escutar as desventuras dum penso rápido… Deve ser nojento – conclui o Matuto! Bom, adiante.

O primeiro contacto que o Matuto teve com a chatice, foi há algumas décadas através do amigo Paulo Francisco. Numa peregrinação ao Gato Preto, em Água de Madeiros, o Paulo inseriu na ranhura do rádio, uma cassete, devidamente rebobinada com uma caneta bic. Surge a voz de Osvaldo Montenegro declamando/cantando o seu tema “O Chato”. Sublime! Humor sofisticado e clean. Logo no início da sua canção Montenegro revelava que a inspiração veio duma frase de Millôr Fernandes: “Chato, é aquele que explica tudo tim-tim por tim-tim… e depois ainda entra em detalhes.” E depois Montenegro vai por aí fora, dando pistas para identificarmos os chatos da vida. O Matuto regista algumas situações, verdadeiros flagrantes da vida real. Por exemplo, o chato quando tem tosse nunca vai ao médico, prefere ir ao cinema, ao teatro, a um concerto; o chato só não ressona (roncar, no Brasil, por favor) quando dorme sozinho; o chato nunca perde o seu tempo, só o dos outros; geralmente o chato começa um comentário dizendo ‘fica até chato dizer isto, mas…’; o chato é aquele cidadão que se a gente convida ‘passa lá em casa’, ele aparece mesmo; é aquele cidadão que a gente cumprimenta com um ‘como vai’ e ele começa a relatar a sua vida, ora o ‘como vai’ é apenas um ‘oi’ (olá, em Portugal, por favor), apenas isso, não é para responder; o chato cutuca a gente; o chato faz perguntas e mais perguntas, e ainda espera por respostas; o chato é aquela pessoa que fala sem parar, quando queremos que ele ouça; o chato nunca sabe as suas limitações, é como o sujeito gago que queria ser locutor de futebol; o chato reclama de tudo, até da água da praia estar molhada; o chato pensa que ajuda mas só comete gaffes; o chato pensa que é importante quando todos o aturam por pena… Montenegro termina a sua canção fazendo auto terapia: “eu sou um chato meu deus, não me aguento, só me tacando no mar”. Um chato que reconhece ser chato merece perdão – declara o Matuto.

Ora, nestes tempos modernos, apareceram novas espécies de chatos – alerta o Matuto. Os eco-chatos que ficam o tempo todo calculando o nível de dióxido de carbono que lançam na atmosfera. Os caloro-chatos que dissertam sobre os efeitos das gorduras a cada dentada no pastel de nata. Os transo-chatos que em todo o lado veêm cruzamentos dúbios. O homo-chatos que insistem em exibir em todo o lado, as cores do arco-íris. Os idento-chatos que se lascam para reduzir tudo a uma questão de identidade. Os fisio-chatos que se pudessem punham toda a gente a dar pulos. O biko-chatos que teimam em dizer ‘bike’, em inglês quando existe a palavra Portuguesa adequada para o dito veículo. É “bicicleta”, seus ignor….. (calma, Matuto. Não se irrite. OK!) Seus, chatos! Os peto-chatos que impõem a presença dos seus animaizinhos – ‘ele é tão bonitinho! Uma gracinha! Diz olá para o titio’. Os barbo-chatos que pavoneiam as barbas, mesmo parecendo uns arbustos ambulantes. Os etilo-chatos, movidos a álcool. Os electro-chatos, movidos a choques de bateria dum carro Tesla. Os vegano-chatos que fazem ‘moooohh’ cada vez que espetamos uma garfada num suculento bife. Os científico-chatos que tentam explicar fenómenos sociais pela ciência, mas nada sabem de simples biologia. Os policorrecto-chatos que catam ofensas em cada palavra com a dedicação dum monge Tibetano. Os apocalíptico-chatos que ameaçar com o fim do mundo em 30 anos (instigados pela maior chata do universo, a menina Greta). Afff! O Matuto respira fundo: essa gente, só tacada no mar – esfalfa-se o Matuto. Que chatice!

O Matuto sabe de fonte segura que já o Almada Negreiros tinha algo a dizer sobre os chatos. A até antecipou essa questão imensamente chata da imigração. O Matuto cita estes versos de Almada Negreiros para ajudar a identificar os chatos. Estes versos até poderiam ser colocados em todos os aeroportos do país – sugere o Matuto. Ora, vejam: “Tu, que descobriste o Cabo da Boa Esperança e o caminho marítimo para a Índia e as duas Grandes Américas, e que levaste a chatice a essas terras e que trouxeste de lá mais chatos práqui…” Não rima, mas é verdade – declara o Matuto.

E é isso gente boa. O chato é geralmente a última pessoa a saber que é chato – matuta o Matuto. Ciente desse facto, e antes que este texto fique supinamente chato… o Matuto despede-se – não vá alguém querer tacar o Matuto no mar! Safa!!!