A escritora sul-coreana Han Kang venceu o prémio Nobel da Literatura deste ano. Apesar de só ter lido A Vegetariana, arrisco discordar da atribuição deste prémio. A Vegetariana é um romance de grande qualidade, tal como muitos outros que li nos últimos meses. Por exemplo, os quatro volumes da série A Amiga Genial de Elena Ferrante são muito melhores. Raramente tinha lido algo tão intenso. O conteúdo dos romances não tem nada de novo, o estilo literário tão pouco, mas, ainda assim, na minha modesta opinião A Amiga Genial não se compara com nada. Aliás, arrisco de novo afirmar que as personagens Lila e Lénu são das mais complexas e fascinantes da história da literatura. Dostoiévski, Tolstoi, Musil, Mann, Faulkner criaram personagens com grande densidade psicológica, mas Ferrante mete-os a todos num chinelo. Só não mete Marcel Proust porque esse está noutra categoria.
E também não mete António Lobo Antunes.
Harold Bloom considerou-o um dos maiores escritores vivos, os seus livros estão traduzidos em muitas línguas e vendem-se desde a Amazon à loja do chinês. Iniciei-me com a leitura de O Manual dos Inquisidores e o choque foi ainda maior do que, anos depois, o de A Amiga Genial. Aquela mistura de vozes, tão próxima dos diálogos reais, deixou-me estupefacto. Nunca tinha entrado assim na cabeça dos personagens, sentido as suas misérias e torpezas. Ou, melhor dizendo, nunca tanta gente tinha entrado assim na minha cabeça, todos a falar ao mesmo tempo. E depressa me converti à seita dos leitores incondicionais de Lobo Antunes.
Porém, além do Nobel da Literatura, Lobo Antunes deveria receber conjuntamente um Nobel da Arrogância. A presunção com que fala de si próprio e desdenha os outros – escritores, críticos, o género humano em geral (onde obviamente não se inclui) – atinge píncaros próximos da sua qualidade literária.
Nas entrevistas, autoelogia-se, arrasa os escritores portugueses parecendo dizer «como se atrevem estes patetas a tentarem competir comigo?», e não perdoa que, ano após ano, não lhe deem o Nobel ou inventem um prémio especial para si próprio. E quanto à crítica nacional, longe de reconhecer o esforço de quem o incensa, redu-la ao nada: «em Portugal não há crítica» – entrevista a Clara Ferreira Alves, RTP, 2004. Ou seja, em Portugal não há ninguém capaz de entender os seus livros – eu sou um desses ignorantes pois já mais de uma vez me perdi na sua polifonia de vozes. Analisar, interpretar, comparar e avaliar os seus romances é demasiada areia para o camiãozinho da crítica portuguesa.
Dito isto, Lobo Antunes pode estar descansado. Telefonei para a academia sueca e subornei-os: em troca de uma malga de marmelada caseira (marmelos da quinta, pau de canela e casca de limão) prometeram atribuir-lhe os dois referidos prémios Nobel. Mas, se júri sueco padecer do mesmo problema dos néscios da crítica nacional e não conseguir entender os seus romances, então que atribuam o prémio a Elena Ferrante.