Eleições EUA: o regresso da dissuasão

faça-se o seguinte exercício: foi sob a vigilância de Trump que os EUA saíram vergonhosamente, e reforço o vergonhosamente, do Afeganistão? Que a Rússia e o Irão notaram o declínio da força americana e procederam a atacar a Ucrânia e Israel? Que a China ameaçou constantemente Taiwan? Não.

Donald Trump protagonizou uma reviravolta política histórica. Eram poucos os que acreditavam que o ex-Presidente, agora Presidente eleito, teria uma nova vida na política após os incidentes lamentáveis de 6 de janeiro de 2021 e por todos os problemas na Justiça. Mas a verdade é que o fez, e fê-lo de uma forma perentória. Está bem posicionado para vencer todos os swing-states e os republicanos recuperaram a maioria no Senado e seguraram a Câmara dos Representantes.

Kamala Harris não conseguiu igualar os números de Biden em qualquer Condado, o que revela uma mensagem clara dos eleitores americanos a este Partido Democrata, que representa uma elite alheada da realidade e que foi tomado de assalto pela ala woke. Desde a tentativa de encobrimento das incapacidades de Joe Biden à sua substituição pouco democrática a três meses das eleições, passando pela ascensão da fação radical, há muitas lições a tirar pelo partido que já foi liderado por nomes como John F. Kennedy ou Bill Clinton. O regresso à centralidade parece o caminho indicado, com o nome de Josh Shapiro, Governador da Pensilvânia, a ser um dos nomes mais fortes para o “dia seguinte”.

Quanto à política externa, diz-se que o mundo ficou mais perigoso, que a democracia perdeu, que o autoritarismo ganhou. Ora, faça-se o seguinte exercício: foi sob a vigilância de Trump que os EUA saíram vergonhosamente, e reforço o vergonhosamente, do Afeganistão? Que a Rússia e o Irão notaram o declínio da força americana e procederam a atacar a Ucrânia e Israel? Que a China ameaçou constantemente Taiwan? Não. Washington virou as costas à política de dissuasão em 2021 e os resultados estão à vista. O mundo ficou mais perigoso. A Europa, por culpa própria, e não em virtude do inquilino da Casa Branca, está em risco.

No quadro da NATO, aliança que segundo os críticos de Trump será desprezada pelo Presidente, importa relembrar que, em 2016, Barack Obama disse o seguinte: «[Gastar 2% em defesa é] um objetivo que colocamos constantemente, mas que nem todos cumprem. (…) Se a Grécia consegue estar à altura deste compromisso da NATO, todos os nossos aliados da NATO devem fazê-lo também».

Na Ucrânia, a questão é controversa. Porém, o plano de Trump não é abandonar os ucranianos, deixando-os à mercê de Vladimir Putin, mesmo que seja isso que se possa deduzir da sua retórica exagerada e sensacionalista. Um teórico realista das Relações Internacionais, John Mearsheimer, argumentou que os Estados Unidos se deviam focar apenas na região do Pacífico, deixando os problemas da Europa para os europeus. Independentemente do sucesso do realismo, esta é uma posição que não serve, de todo, os interesses do Ocidente. E não é esta a posição de Trump.

O Presidente-eleito procurará uma negociação para colocar um ponto final num conflito que se arrasta já por três anos e que não tem fim à vista. O próprio Volodymyr Zelensky afirmou hoje, ao congratular Donald Trump, que aprecia o seu «comprometimento com a abordagem de política externa baseada na “paz pela força”. É exatamente este princípio que pode trazer uma paz justa à Ucrânia. Tenho esperança de que possamos coloca-lo em prática juntos». Também o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andrii Sybiha, reiterou a boa relação de Trump com Zelensky e confia «na liderança decisiva da América».

É importante relembrar ainda que, e ainda que o apoio americano tenha sido a principal ajuda na resistência ucraniana frente ao imperialismo de Putin, os EUA ofereceram-se para tirar Zelensky do país no início da invasão. Não fosse pela coragem dos ucranianos e do seu líder, quem sabe, hoje Kiev seria russa.

É precisamente de isto que se trata. O conceito de dissuasão é um imperativo na condução da política externa americana, e mais ainda neste momento de desafios múltiplos. Ainda assim, existe o medo de um possível apocalipse nuclear com uma nova presidência Trump, mas, olhando para os últimos 8/10 anos, os acontecimentos dizem-nos que o mundo teria mais a temer com mais quatro anos desta política externa fraca da administração Biden-Harris. “Qui diserat pacem, praeparet bellum” (Aquele que deseja a paz, que se prepare para a guerra) é um ensinamento de Vegécio que tem resistido ao teste do tempo, mas que teima em entrar na lógica democrata.

Assim, e como escreveu Niall Ferguson num artigo para o Daily Mail há pouco mais de uma semana, os americanos tiveram de optar por uma de duas vias: República ou Império? A primeira poderia estar ameaçada pelas pretensões autoritárias de Trump, ainda que não sejam realizáveis no sistema americano, e a segunda estaria realmente ameaçada com uma administração Harris-Walz. Os americanos escolheram preservar o império, deixando o seu sistema democrático responsável pela saúde da República.