Querida avó,
Amanhã celebra-se o “Dia de Finados” embora muitos aproveitem o dia de hoje, “Dia de Todos os Santos”, para irem aos cemitérios visitar as sepulturas dos entes queridos, que já se finaram (daí o nome, finados) e enfeitar os seus túmulos com flores (mesmo que ao longo do ano não o façam).
Um costume católico que não existe só em Portugal.
No México é bastante diferente, as pessoas assinalam a data de uma maneira mais festiva. Durante três dias as pessoas ridicularizam a morte enfeitando as ruas e organizando desfiles. Os mexicanos acreditam que as almas dos que já se foram visitam os seus parentes nessa data, que medo.
Embora cada vez existam mais pessoas que optam pela vontade de ser cremadas, grande parte da população ocidental continua a ter os cemitérios como a sua “Morada Eterna”.
Sempre achei graça ao facto de as pessoas serem enterradas, mas quando são lembradas quem as recorda olha para o Céu.
Acabei de ler o magnifico livro Cemitério dos Eternos Prazeres, do nosso amigo Domingos Amaral.
O livro leva-nos numa belíssima viagem às memórias de Portugal (não estou a falar do nosso livro). Mas a verdade é que através das personagens do livro, ficamos a conhecer mais sobre extraordinárias mudanças que o século XX trouxe a Portugal.
«Lourenço tem uma doença terminal e quer ser enterrado junto da família, no Cemitério dos Prazeres. Porém, no jazigo dos Boa Morte já não existem lugares vagos e, para ele entrar, alguém tem de sair. Mas quem?»
Vais gostar certamente. Como de todos os livros do mesmo autor.
O Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, é a Morada Eterna de centenas de celebridades. Quem visitar este cemitério pode encontrar as sepulturas de personalidades como: Almada Negreiros, Vasco Santana, Laura Alves, Mário Soares, Cosme Damião, José Malhoa, Raul Solnado ou Ofélia, a única namorada de Pessoa.
Que descansem em Paz.
Bjs
Querido neto,
As tias que me criaram tinham uma paixão mórbida pelos mortos. Em vida podiam ter sido uns trastes – morriam e transformavam-se em santos. E ninguém da família podia morrer num hospital! Diziam que era uma vergonha! Assim que estavam muito mal, iam para nossa casa.
Sempre me lembro de haver, no quarto ao fundo do corredor da minha casa, um tio muito doente. Um moribundo que, mais dia, menos dia, acabava por morrer.
Então desmanchava-se a mesa da sala de jantar, e no seu lugar punha-se o caixão do morto. Abria-se então a porta da rua e as pessoas entravam.
Eu adorava ter um tio morto em casa. Um tio que, na maior parte dos casos nem nos era nada. Estava morto, isso bastava.
Ninguém me ligava nenhuma, eu podia ir para a cama tardíssimo e sem lavar os dentes…
Para além disso, todas as pessoas que vinham velar o morto traziam-me um livro, para eu estar sossegada no meu canto. Devo a minha paixão pelos livros a toda essa legião de tios-tias-primos-desconhecidos. É verdade que todos esses livros têm dedicatórias estranhas: «Com um beijo da tia Marta, já que o tio António não to pode dar»; «No dia da morte da tua prima Henriqueta, que tanto gostava de ti»; «Quando abrires este livro lembra-te sempre do teu padrinho Jerónimo, que morreu ontem».
Mais tarde, quando os livros foram parar às mãos dos meus filhos, eles só me perguntavam: «Mas quem são estes?»
E eu respondia: «por acaso também gostava de saber…»
E eles olhavam para mim, pensando que eu tinha ficado maluca.
E quem não pensaria?
Será que ainda existe quem construa jazigos ou compre um lote de terreno num cemitério? Que coisa tão mórbida! Imagina passarmos a vida, ou parte dela, a olhar para o buraco (ou prateleira) onde um dia nos vão depositar na “Morada Eterna”…
Muitos com medo de morrer esquecem-se de viver!
Bjs