Em entrevista concedida a André Carvalho Ramos na CNN, Mariana Mortágua irritou-se e disse que sentia estar a ser interrogada. Está mal-habituada. Os jornalistas são, por norma, cerimoniosos com o Bloco, o que não sucede, por exemplo, com o PCP. O BE é um fenómeno urbano, cuja eficiência no ‘entrismo’ lhe permite impregnar organizações e congregar vassalagens.
O que irritou Mortágua? A sua homilia de indisfarçada satisfação por haver um conflito racial adequado à narrativa do BE fora interrompida com uma questão inconveniente. Carvalho Ramos recorreu a uma citação que descrevia a ideologia woke. A líder do BE retorquiu que tal ideologia não existe: é uma invenção da extrema-direita. Mortágua não quis que a colassem a uma ideologia que, apesar de tudo, é diferente do trotskismo.
O que não colhe é a tentativa de catalogar o wokismo como uma invenção da extrema-direita. A ideologia woke existe de facto e organiza-se em movimentos que questionam os paradigmas em que, historicamente, assenta a essência das nossas sociedades liberais. Nestes movimentos campeiam uma profunda hipocrisia e um sentimento de superioridade moral, que leva os seus seguidores a assumirem-se como polícias da linguagem, a adotarem uma estratégia de confronto e a fomentarem a intolerância e, no limite, o ódio entre grupos sociais ou raciais. O wokismo é, na verdade, uma forma de racismo, porque não admite que todas as pessoas devem ser tratadas como cidadãos independentemente das suas convicções e idiossincrasias.
Os graves incidentes na Grande Lisboa foram inflamados por variadas razões, e não apenas pela morte de um cidadão baleado pela polícia. Este acontecimento dramático nada teve a ver com os antecedentes da vítima, desconhecidos dos agentes, e o seu contexto será apurado.
Sim, as polícias não souberam comunicar. Sim, a comunicação social extravasou o seu papel. Sim, o princípio da presunção de inocência foi negado ao agente da PSP. Sim, o Chega fez declarações inaceitáveis, incitando à prática de crimes e capitalizando o sentimento racista que existe na sociedade.
Não, não pode haver equivalência nos discursos de ódio. Só que o BE não se fez rogado e justificou a vaga de crimes. Fez-se juiz num drama por esclarecer e lançou um anátema sobre a polícia e os seus dirigentes.
É inegável que, a par do racismo, a agenda woke teve um papel no sucedido. Desde logo por intermédio do SOS Racismo, que insiste num exercício de ventriloquismo da agenda do BE, acusando-nos a todos – a título individual, coletivo e institucional – de sermos estruturalmente racistas. Dizer que somos todos racistas é mentira e só desculpabiliza o preconceito e a discriminação com base racial. Os discursos dos extremos resultam numa cumplicidade e numa comunhão de interesses para deslassar uma sociedade que, mais do que nunca, necessita de ser tolerante, solidária e coesa.
É essencial impedir os guetos e proporcionar a todos o acesso a um lugar digno na sociedade. Não bastam políticas assistencialistas, por muito justas que sejam. É necessário quebrar o círculo vicioso da pobreza, com exigência cívica mas ouvindo as comunidades desfavorecidas e oferecendo-lhes uma proposta alternativa de futuro.
Para atingir este desiderato, precisamos de mais coragem, e de mais Isaltinos. E dispensamos Pedros Pintos e Mortáguas, Fabiens e Bas. Também não fazem falta os Chalanas, pseudocientistas sociais que olvidam a sua bem paga função e tudo fazem para acirrar o ódio e o sentimento de exclusão.