Os filhos do Chega e o tio

No Chega o café do bairro é o Parlamento. O princípio de que ‘não se fala assim à mesa’não se aplica e as coisas chamam-se pelos nomes. Nomes feios, claro.

Há uma idade em que os miúdos entram na chamada crise da adolescência e os pais levam as mãos à cabeça. Os quartos estão sempre desarrumados, de crianças dóceis transformam-se em adolescentes malcriados, os filhos começam a desprezar os pais, a provocar os professores ou qualquer autoridade que se atravesse no seu caminho e assumem-se como o centro do mundo. Nesta fase cruzam-se eventualmente com alguém mais velho, um tio solteiro, por exemplo, a quem o mundo nunca reconheceu o verdadeiro valor. Um bacano que fala como eles, uma autoridade boémia com experiência de vida, que lhes paga as primeiras cervejas ou cigarros que é reconhecido como um sábio pelos nossos jovens invadidos de acne. É ele quem lhes explica qual o verdadeiro sentido da existência, que os aconselha a imporem-se contra os vícios do mundo e os desafia a encontrarem o verdadeiro eu.

No Chega também é assim. Há o tio e há os adolescentes. O tio tem experiência de vida, de outros partidos, conhece os corredores do poder, estudou, é culto, tem carisma e conversa com eles como igual sem o ser. Ele dá a importância aos nossos jovens que os pais não conseguem dar porque estão ocupados a sustentá-los e a educá-los. Os adolescentes são pelo menos os 50 deputados que devem ao tio o facto de o serem.

No Chega o café do bairro é o Parlamento. Ali as coisas chamam-se pelos nomes, não há regras ou educação: ladrões, bandidos, assassinos, mentirosos, escumalha. O principio de que «não se fala assim à mesa», não se aplica. As coisas não se chamam pelos nomes, chamam-se pelos nomes feios, tal como explicou o tio. Impõe-se sem medo, desafiam de peito feito  porque na adolescência não há medos. Ao contrário do que acontece no entediante meio escolar onde os nossos jovens são tratados com condescendência, no café com o tio eles são tratados como crescidos e é lá que encontram desígnios, as causas que os fazem levantar da cama. Desafiar o aparelho corrompido que os sustenta, as regras bacocas que os limitam e a autoridade castradora que os proíbe de fumar, beber, desarrumar ou levantar, é a luta. O tio explicou-lhes entre shots o que está mal no mundo e assumem-se entusiasmados como autênticos cruzados às portas de Jerusalém sebentos do sangue dos infiéis. A guerra podia ser ambiental, climática, contra o racismo ou feminista, mas esta é uma guerra mesmo santa. E como é santa, de vida ou de morte (as duas eternas), vale quase tudo.

Alguns dos nossos adolescentes fazem piercings, gravam tatuagens, batem a porta na cara dos pais e têm como verdadeiro ato de afirmação desistir da escola convictos de que a matemática e a geografia são barreiras à descoberta da sua verdadeira essência. No Chega, é através da gritaria, dos insultos e do bullying que se faz a afirmação de princípios. Sejam eles a luta contra minorias que corrompem os alicerces culturais da sociedade ou contra os anti-Cristo que vivem do sistema como sanguessugas, ou seja, todos os outros políticos menos eles.

O tio, esse, é o sempre o mesmo.