Humboldt em Serralves

Para Humboldt, compreender a Natureza exigia não apenas uma análise racional rigorosa, mas também uma perspetiva estética

A Fundação de Serralves – Parque de Serralves apresenta Herbarium – Seen & Dreamed, uma exposição inteligente e sensível, com curadoria da artista colombiana Claudia Isabel Navas. Numa abordagem multidisciplinar que confirma o ditado de que a grandeza não se mede pelo tamanho, a mostra, instalada na quinta, reúne olhares essenciais que exploram a intersecção entre botânica, ciência e arte.

Logo no alpendre, surgem as referências fundamentais: o alemão Alexander von Humboldt (1769-1859) e o francês Aimé Bonpland (1773-1858). As suas contribuições para o estudo da flora americana, resultantes da expedição às Américas entre 1799 e 1804, são evocadas pelas orquídeas fotografadas pelo colombiano Mario Alberto Pedraza, a partir das coleções dos célebres naturalistas.

No lagar, é traçado um percurso visual e histórico pela flora, desde a recolha das espécies até à sua representação, com destaque para as orquídeas portuguesas de Ursula Beau (1906-1984). As ilustrações da Real Expedición Botánica (1783-1816) à América latina, liderada por José Celestino Mutis (1732-1806) – padre, botânico e matemático espanhol que, em 1801, acolheu Humboldt e Bonpland em Bogotá por dois meses –, encontram um contraponto contemporâneo nas criações do fotógrafo e artista visual colombiano Ramón Laserna, que reflete sobre a vulnerabilidade da Natureza. O espaço inclui ainda Impressions de Plantes, uma instalação de vídeo, e uma oportuna homenagem ao botânico português Júlio Augusto Henriques (1838-1928).

No celeiro, ao centro, vemos e ouvimos as cartas de Rosseau sobre botânica, dirigidas a Madame Delessert entre 1771 e 1774. Pela associação às plantas medicinais e aos arranjos florais, a botânica era considerada a ciência mais adequada à mulher. É verdade que o sistema de classificação das espécies botânicas introduzido pelo sueco Carl Linnaeus (1707-1778), baseado nos seus órgãos sexuais, perturbou tal idílio, mas, quando a poeira assentou, fazer herbários e estudar plantas voltou a ser visto como a atividade científica mais própria para uma jovem: não lhe enfraquecia o espírito e, acima de tudo, permitia-lhe admirar as maravilhas da criação divina. Foi o período da ‘botanomania’.

À esquerda das cartas, encontramos aquele que será o ponto alto da exposição: Je/Eux d’Ombres, uma instalação de vídeo e som de Claudia Isabel Navas que nos conduz à (re)descoberta do Grande Herbário de Sombras de Lurdes Castro (1930-2022). Em 1972, utilizando a técnica da fototipia, esta importante artista madeirense registou as sombras de uma centena de espécies botânicas que rodeavam a sua casa no Funchal.

Do outro lado do celeiro, destacam-se os tons azuis das representações de agaves e outras plantas das regiões mediterrânicas. Trata-se de doze cianótipos da série Bosc, do francês Phillipe Durand. Tal como a fototipia, a cianotipia – a que já me referi anteriormente, a propósito das imagens de plantas obtidas pela inglesa Anna Atkins no século XIX – é também uma técnica de impressão fotoquímica.

Não será exagero afirmar que o fulcro da exposição reside em Humboldt. Na expedição que o naturalista realizou com Bonpland, foram recolhidos dados científicos em áreas como a botânica, a geologia, a zoologia e a astronomia. Ao integrá-los, Humboldt percebeu de forma pioneira a Natureza como um sistema interconectado, lançando assim as bases da ciência ecológica contemporânea e antecipando conceitos da biogeografia. Para Humboldt, compreender a Natureza exigia não apenas uma análise racional rigorosa, mas também uma perspetiva estética. Acreditava que a arte podia captar e transmitir as dimensões emocionais da observação científica, oferecendo uma visão mais sensível do Universo. Para ele, a fusão entre ciência e arte tornava o conhecimento acessível a um público mais vasto. As suas obras incluíam ilustrações detalhadas que exaltavam a grandiosidade do mundo natural e reforçavam o seu compromisso com uma visão holística da Natureza. Em Cosmos, a monumental obra em cinco volumes publicada entre 1845-1862, onde descreve o mundo como um sistema de ordem e beleza, Humboldt incentivou os artistas a captarem a essência das paisagens naturais, propondo esboços realistas e estudos detalhados de elementos como a folhagem, os solos e as rochas. A sua visão exerceu uma profunda influência sobre críticos e artistas, incluindo o britânico John Ruskin (1819-1900), que defendia que a arte deveria inspirar-se na harmonia da Natureza.

A propósito, Humboldt e Bonpland não foram autorizados a entrar no Brasil