Totò foi uma das mais extraordinárias figuras da História do Cinema. Cáspite! Que digo eu? Totò foi uma das mais extraordinárias figuras que se passeou por este planeta redondo e apenas ligeiramente achatado nos polos e ponto final. Além disso era um príncipe. E não só na vida. Era um verdadeiro príncipe, Príncipe de Curtis, e os italianos apelidavam-no de «il principe della risata». Como bom príncipe, tinha um nome absolutamente principesco: Antonio Griffo Focas Flavio Angelo Ducas Comneno Porfirogenito Gagliardi De Curtis di Bisanzio. E fazia de tudo: ator, realizador, produtor, cantor, compositor. Autor de uma música extraordinária, com a letra em napolitano, não fosse ele um tremendo ‘napoledano’, como gostam os vizinhos do Vesúvio de carregar no sotaque: Malafemmena. Quem a ouve não esquece, a menos que tenha graves problemas de audição, pelo que aconselho uma rápida consulta ao otorrinolaringologista (uma daquelas palavras que temos poucas oportunidades de escrever). «Femmena/tu si ‘a cchiù bella femmena/te voglio bene e t’odio/nun te pozzo scurdà…».
Napolitano que é napolitano tifa pelo Nápoles. Totò não seria um «tifoso assatanato» mas, como contaria mais tarde uma das suas sobrinhas, Elena Anticoli de Curtis, «diciamo che se vinceva il Napoli, era contento». Por outro lado, um dos seus maiores amigos, Carlo Croccolo, sublinhou: «Totò era tifoso del Napoli, ma amava di più la poesia e la letteratura». Seja. Isso não o impediu de mergulhar no futebol pela prancha das películas em Gambe d’Oro. Transmutou-se no barão Luigi Fontana, que de barão só tinha a alcunha. Aliás, nem fazia sentido que um príncipe se despromovesse a barão. Mas enfim, na tela, o BarãoFontana, proprietário de uma tanoaria e produtor de vinhos, faz de presidente do Gruppo Sportivo Cerignola, que existe mesmo e não foi produto da sua extraordinária imaginação. O filme conta o esforço de Armando, representado por outro dos grandes nomes da comédia italiana dos anos 50, Guglielmo Carotenuto, que procura criar na equipa um ambiente de camaradagem familiar que permita ao clube ascender à Série C.
Tudo poderia ser mais fácil se o presidente Fontana se preocupasse minimamente com a sua função. Para ele, o cargo é um fardo. Sente que o ocupa apenas porque a rapaziada precisa de dinheiro para comprar camisolas e chuteiras e ele é o homem mais rico de Cerignola, uma cidadezinha da província de Foggia, na região de Puglia. Ainda por cima tem de aturar um namoro que o encanita entre a sua filhaCarla e o extremo direito Aldo Maggi. Armando arrepia os poucos cabelos que tem. Vale que os seus pupilos são tão amigos que passam o filme a cantarolar em coro as canções que Lelio Luttazzi compôs para o efeito. E ganham. Jogo após jogo. Até que…
Para que o Barão Fontana passe, de repente, a ver o clube de outra forma foi preciso acenarem-lhe com dinheiro, e do bom: um emissário do comendador Renzoni, presidente de um grande clube de Milão, acena-lhe com vinte milhões de liras pelos passes de Aldo e do ponta-de-lança Franco Savelli, modesto trabalhador de uma padaria. O ambiente vira-se do avesso. Luigi abençoa o noivado de Carla com Aldo. Franco, aflito para sustentar o filho recém-nascido, suspira de alívio. Mas a inveja começa a insidiar-se. Armando fica furibundo por lhe quebrarem a união do grupo e desaparece de cena. Duas derrotas consecutivas põem causa o sonho da promoção e viram os outros jogadores contra as estrelas nascentes que valem milhões. Uma notícia bombástica serve para recolocar as engrenagens nos eixos. A seleção italiana virá a Cerignola para um particular. A populaça delira. Armando é convencido a treinar o grupo e exige-lhes que regressem ao espírito que fizera deles um conjunto vencedor. Promessa feita e ei-los que entram em campo. Bola nem vê-la. O jogo é à porta fechada, vamos sabendo do resultado por um garoto que, do alto da bancada, grita os golos para a multidão que ficou no exterior. O Carignola vence por 2-1. Aldo e Franco recusam o contrato, decidem que ficarão no clube e juram levá-lo à Série A. Totò está feliz. Ele que, não sendo um fanático, tinha uma versão pessoal da frase de Virgílio: «Audax fortuna Juventus».Sabia bem quem eram os protegidos…