O wokismo sempre foi uma tentativa de força avassaladora e profundamente polarizadora, com a capacidade de moldar o debate público, influenciar a análise política e até ditar a perceção da realidade. Nas eleições americanas de 2024, o impacto deste movimento foi explícito: uma narrativa ideológica, blindada e autossustentada, condicionou previsões e enviesou o discurso de comentadores e analistas em ambos os lados do Atlântico. Muitos apostaram, de forma quase cega, numa suposta adesão em massa à agenda ‘progressista’, ignorando realidades que – mais uma vez – desmentiram os vaticínios.
Este abismo entre a previsão e a realidade denuncia uma crise de pensamento independente em determinados estratos da análise mediática. O wokismo, ao cultivar uma visão única e autoproclamada moralmente ‘superior’ dos temas sociais e políticos, fomenta um ambiente estéril, onde a verdadeira diversidade de opiniões é engolida pela conformidade. A autocensura e o medo de desafiar esta corrente dominante resultam numa qualidade analítica empobrecida, onde perspetivas padronizadas se repetem ad nauseam, distantes das preocupações de um eleitorado real.
A realidade, porém, resiste às imposições da ortodoxia mediática. Milhões de eleitores continuam a preocupar-se com temas que vão muito além dos dogmas culturais impostos, dando prioridade ao que há de mais simples e essencial: estabilidade económica, segurança e os valores genuínos que sustentam uma sociedade verdadeiramente livre.
Nos Estados Unidos e em Portugal, há um crescente sentimento de alienação, até mesmo dentro dos grandes centros urbanos, onde muitos sentem que as suas preocupações reais são desvalorizadas. Nas zonas rurais e suburbanas dos EUA, este afastamento é particularmente visível, com comunidades a rejeitarem uma agenda que percebem como distante e alheia às suas prioridades. Em Portugal, encontramos o mesmo sentimento em regiões fora dos centros urbanos, onde a voz das populações locais é frequentemente ignorada em favor de uma visão simplista e condescendente. Essa perceção de desprezo, que começa a estender-se também aos centros urbanos, só aprofunda o fosso entre as elites mediáticas e a diversidade autêntica de preocupações da sociedade.
Este padrão está a minar a confiança do público, como mostram estudos que apontam para um aumento do ceticismo em relação aos meios de comunicação tradicionais e, simultaneamente, para uma crescente dependência de redes sociais para obtenção de informações – onde o critério de rigor é inexistente. Longe de fomentar a verdade, o wokismo age como um filtro redutor, contribuindo para um ambiente de bolhas ideológicas e uma polarização que aliena vastas franjas da população.
A raiz desta crise interpretativa reside numa suposta elite cultural e intelectual que dita a norma dentro da bolha mediática. Esta classe autorreferencial maneja as rédeas de parte da opinião pública com uma rigidez que asfixia o pensamento independente, impondo uma visão que ignora a realidade da sociedade. Ao sufocar perspetivas dissidentes, limita a amplitude do discurso mediático e torna-se cúmplice na alienação de um público cada vez mais desconfiado.
Os adeptos do wokismo ficam presos num círculo incessante de ‘virtude’, onde o progresso é medido por uma constante auto-purificação de ideias. A cada novo termo ou conceito, nasce uma versão mais ‘pura’ e mais ‘avançada’ da causa, num ciclo onde cada um tenta posicionar-se como mais alinhado com a moral do momento. Mas este processo não aproxima o discurso das reais preocupações da sociedade; antes, afasta-o. Esta espiral de reafirmação e purificação ‘progressista’ aliena o público e mina a confiança nas instituições mediáticas. Em vez de refletir uma verdadeira diversidade de valores, esta repetição constante transforma o espaço público numa arena previsível e estéril, onde a autenticidade é sacrificada em nome da conformidade imposta, e o debate é abafado pela necessidade incessante de validação ideológica.
Jurista e Membro da Comissão Executiva do CDS-PP