A catástrofe na Comunidade Valenciana é o último dos fenómenos meteorológicos extremos que, ao longo dos últimos anos, vêm sendo cada vez mais frequentes em geografias onde o risco de tais episódios era, num passado não muito distante, negligenciável. As alterações climáticas causam riscos acrescidos e, doravante, viveremos todos debaixo do vulcão, neste Antropoceno em vertiginosa aceleração. Os cenários catastróficos são a fatura que pagamos pelo desenvolvimento viciado no consumo de combustíveis fósseis e pela explosão demográfica dos dois últimos séculos.
O grande problema é que não existem instrumentos que ajudem a prever estes fenómenos com exatidão. Em Portugal, tantas vezes confrontados com avisos amarelo e laranja, que na esmagadora maioria dos casos não têm consequências de maior, acabamos por não tomar todas as cautelas. É a fábula de Pedro e o lobo. E, no entanto, não se pode pedir à Proteção Civil que não lance os alertas.
No caso da catástrofe em Espanha, e aos olhos dos que foram atingidos pela desgraça, o Estado falhou rotundamente quando os avisos da agência meteorológica espanhola não chegaram em tempo útil aos destinatários. Contudo, pelo que se pôde ver nos dias seguintes na Catalunha – onde muitos não hesitaram em usar o automóvel, contrariando a recomendação das autoridades e num cenário de aviso laranja de alta pluviosidade -, é improvável que um alerta atempado tivesse tido grande impacto. Haveria talvez menos mortes, mas a devastação seria, eventualmente, a mesma. Não basta avisar a população: são precisas estratégias que reduzam o impacto destes fenómenos e melhorem a capacidade de resposta sempre que ocorrem.
Ora, 90% do investimento climático a nível global é dedicado a reduzir emissões – um objetivo não atingido, porque as emissões insistem em crescer – e sobram apenas 10% para atenuar impactos e aumentar a resiliência face à crise climática. São recursos insuficientes para resolver a questão da água, da subida do nível do mar e da produção de alimentos, particularmente em África. E não chegam para mitigar fenómenos extremos.
Diminuir o impacto destes fenómenos, em particular em cidades densas, tem um custo elevado. É um investimento que os eleitores só valorizam quando são surpreendidos pela fúria dos elementos. A estratégia possível passa pelo planeamento urbano, revisitando as áreas edificáveis, e pela transformação do território, desenterrando cursos de água que foram encanados, desenvolvendo sumidouros que alaguem parques e jardins – criando, assim, um efeito esponja capaz de amenizar as enxurradas e consequente rasto de destruição, – e estabilizando taludes e encostas. No limite, podem realojar-se as populações que residam em locais de risco elevado.
Quanto à capacidade de resposta às calamidades, é fundamental dispor de um modelo de proteção civil mais versátil e mobilizável em situações-limite, como intempéries e incêndios. Valeria a pena olhar para o modelo americano da Guarda Nacional, composta por pessoas que são treinadas com regularidade para servir a comunidade em situações de emergência, apesar de terem outras profissões. Esta resposta serviria também para acudir rapidamente a outras emergências, como os terramotos.
Ainda recentemente, registou-se em Portugal um terramoto de fraca intensidade. Disseram-nos que foi útil para testar as nossas respostas. Lamento, mas não confio em todo este otimismo. Tivemos sorte, porque o terramoto não causou danos pessoais ou materiais. Um dia destes vamos ter um azar e será pior se nada fizermos.