Até ao fim do ano a Região Autónoma da Madeira pode vir a ter um presente de Natal inesperado. A moção de censura apresentada pelo Chega e que deverá ser votada no dia 17 de dezembro no parlamento regional, já depois da votação do Orçamento para 2025, vai precipitar uma nova crise política na região, já que tem aprovação garantida com os votos de toda a oposição à exceção dos partidos de governo, PSD e CDS.
Com a queda do Governo liderado por Miguel Albuquerque, o ministro da República, Irineu Barreto, inicia uma ronda de consultas aos partidos para definir os próximos passos. Em causa está a convocação das terceiras eleições regionais no espaço de um ano. É uma decisão que não é obrigatória, caso o Parlamento eleito nas últimas eleições consiga apresentar uma solução viável de governo.
Ao que apurou o Nascer do SOL, apesar de haver um consenso na aprovação da moção de censura do Chega, nenhum dos partidos está interessado em ir de novo às urnas. Todos temem o desfecho de novas eleições e a possibilidade de perda de lugares no Parlamento. O que se estará a cozinhar nos bastidores é uma alternativa de governo para a região sem recurso a uma nova ida às urnas.
As contas que estão a ser feitas tornam viável essa alternativa.
PS, JPP, IL e PAN podem protagonizar geringonça 2.0
A hipótese chegou a ser colocada em cima da mesa logo após as eleições de 26 de maio. Paulo Cafofo, líder do PS/Madeira iniciou contactos com os Juntos Pelo Povo, com a Iniciativa Liberal e com o PAN, para tentar formar uma coligação alternativa de governo, que impedisse que Miguel Albuquerque, juntamente com o CDS, voltassem a formar governo. Na altura a hipótese foi rejeitada, mas agora volta a ganhar corpo. Essa é a única forma de evitar novas eleições, que ninguém quer, com exceção do PSD.
De facto, os resultados saídos das eleições de maio permitem duas maiorias alternativas, nenhuma delas absoluta. Apesar de ter ganho as eleições, Miguel Albuquerque só conseguiu eleger 19 deputados que, somados aos dois eleitos pelo CDS, lhe deu uma maioria de 21 deputados, faltando-lhe 3 eleitos para conseguir uma maioria absoluta. A oposição ficou ainda mais fragmentada, mas, se PS (11 deputados), JPP (9 deputados), IL (1 deputado) e PAN (1 deputado), acordarem numa coligação, conseguem 22 deputados, bastando uma abstenção do Chega para que a geringonça madeirense tenha viabilidade para governar.
A viabilidade de um governo que, pela primeira vez em 50 anos consegue destronar o PSD do Governo Regional da Madeira está portanto nas mãos do Chega que, questionado sobre a possibilidade de viabilizar uma geringonça na Madeira, André Ventura responde ao Nascer do SOL que «não vai abordar esse assunto». Mas foi o mesmo líder do Chega que esta quarta feira, numa conferência de imprensa em que contestava a decisão do Parlamento regional de adiar a votação da moção de censura para 17 de dezembro, afirmou: «A queda do Governo de Miguel Albuquerque pode conduzir a eleições ou a uma nova solução governativa».
No Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa acompanha atentamente os desenvolvimentos da situação política no Funchal e guarda comentários ou decisões para um momento posterior, para já remete tudo para a mediação do ministro da República, Irineu Batista. Conscientes de que o cenário de nova crise pode não se resolver com novas eleições, Presidente e representante regional apostam numa magistratura de influência discreta e longe dos holofotes.
Lideranças contestadas
A nova crise prestes a eclodir na Madeira, traz consigo divisões internas no PSD e no PS.
Sabendo que correm o risco de perder o poder na região, os sociais-democratas tentam a todo o custo retirar Miguel Albuquerque da liderança e encontrar outro nome que permita ao partido apresentar outra solução de governo ao ministro da República. Manuel António Correia, que se bateu com Albuquerque nas últimas eleições diretas, é o homem de quem se fala, para virar a página no partido, afastando o rasto de suspeitas que recaem sobre o Executivo regional. Mas para que uma mudança de poder possa ocorrer no PSD/Madeira, é preciso que Miguel Albuquerque não obstaculize a realização de novas eleições diretas no partido e esse não parece ser um cenário realista. Albuquerque prefere ir a eleições regionais outra vez.
Também entre os socialistas à problemas internos. Paulo Cafofo teve um dos piores resultados de sempre do PS nas últimas eleições regionais e as sondagens internas mostram que esse cenário não se alterou. No cenário de novas eleições, ou mesmo de uma alternativa de governo, muitos socialistas madeirenses não veem com bons olhos a manutenção de Cafofo. As movimentações multiplicam-se nos bastidores para tentar encontrar uma alternativa vencedora, numa altura em que o PSD está mais fragilizado do que nunca. Resta saber quem é a figura que pode desafiar Cafofo na liderança, mas ao que soube o nosso jornal, desta vez, se surgir uma alternativa, a direção nacional não se vai intrometer, que é o mesmo que dizer que não vai manter o apoio a Paulo Cafofo.
História de uma crise anunciada
A moção de censura, apresentada pelo Chega/Madeira no passado dia 6, ameaça fazer cair o Governo Regional, que poderá estar a caminho das terceiras eleições em menos de um ano e meio.
O presidente e líder parlamentar do Chega/Madeira, Miguel Castro, justificou a apresentação da moção de censura com as investigações judiciais que envolvem o presidente do Executivo, Miguel Albuquerque, e quatro secretários regionais, tendo todos sido constituídos arguidos.
«Achamos que neste momento o Governo liderado por Miguel Albuquerque não tem condições para liderar a Região Autónoma da Madeira», referiu o líder regional do Chega.
A iniciativa desencadeada pelo Chega colocou todos os partidos da oposição entre a espada e a parede. Nos últimos meses foram muitas as críticas e dúvidas levantadas sobre as condições de governo de um Executivo em que muitos dos seus membros estão debaixo de suspeitas da Justiça, incluindo o próprio Miguel Albuquerque. Apesar de a iniciativa de censurar o Governo vir do partido de André Ventura, os vários partidos preferiram ignorar os termos em que a moção está escrita e valorizar a censura ao Governo do PSD, apoiado pelo CDS. Mas a reflexão sobre o dia seguinte à crise, levou o PS a aprovar a proposta de que a moção de censura só seja votada depois da votação do Orçamento.
O Chega considera a decisão ilegal e o próprio André Ventura veio denunciá-lo esta quarta feira, garantindo que vai tentar impugnar a decisão votada no Parlamento regional. Para isso, o Chega vai dar entrada de uma queixa junto da jurisdição administrativa, ao mesmo tempo que entrega nas próximas vinte e quatro horas um requerimento de natureza cautelar que, a ser aceite, pode suspender a decisão tomada.
Em janeiro, Miguel Albuquerque foi constituído arguido na sequência de uma mega operação do Ministério Público e da Policia Judiciária em que foram realizadas mais de 130 buscas, que incluíram a sede do Governo e a casa de Miguel Albuquerque. No mesmo dia foram ainda detidos e constituídos arguidos o presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e os empresários Avelino Farinha e Custódio Correia.
Crimes de corrupção
Em causa estão suspeitas da prática de crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência. Inclui três inquéritos, que correm no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Um dos negócios estará relacionado com uma venda feita em 2017 por Miguel Albuquerque e a ex-mulher de um empreendimento turístico por 3,5 milhões de euros a uma empresa do Grupo Pestana.
Posteriormente, já em setembro, os secretários regionais das Finanças, Rogério Gouveia, Saúde e Proteção Civil, Pedro Ramos e Equipamentos e Infraestruturas, Pedro Fino, foram também constituídos arguidos, no âmbito da operação AB INITIO, que investiga suspeitas de financiamento ilícito da campanha do PSD/Madeira para as Regionais de 2023.
Esta semana foi conhecido um outro processo que envolve o secretário da Economia, Turismo e Cultura, Eduardo Jesus, também constituído arguido.
Com o cerco a apertar, Miguel Albuquerque, já garantiu publicamente que não se demite do Executivo e que, «se for preciso», vai outra vez a eleições legislativas regionais.
A moção de censura do Chega contará com o voto favorável do PS, do JPP e da IL.
Com coligação ou não, PR mantém poder de dissolução
No cenário de haver acordo para uma futura ‘geringonça’ na Madeira, o Presidente da República ainda pode ter a última palavra. «Cabe ao Presidente da República zelar pela estabilidade e prevalecerá sempre a sua decisão por eleições antecipadas, caso considere que um governo de coligação não tenha condições de estabilidade», afirma o advogado e antigo presidente do CDS, José Ribeiro e Castro. «A nível regional o sistema não é muito diferente. O PR mantém o poder de dissolução».
Marcelo Rebelo de Sousa pode vir a decidir o destino do Governo Regional, caso existam duas alternativas: ‘geringonça’ ou eleições antecipadas.
Mas Ribeiro e Castro chama a atenção para uma terceira alternativa na qual o PR pode ainda intervir.
«Para garantir estabilidade numa possível coligação, o Presidente da República tem ainda o poder de impor condições e exigir acordos escritos entre os partidos da coligação», sublinha o advogado.
«Mas atenção que quando o PR entra no jogo e num processo de viabilização de um governo, sem eleições antecipadas, isso compromete-o», acrescenta.
Quanto à hipotética coligação que poderá existir no Executivo madeirense, Ribeiro e Castro afirma que «seria interessante perceber como é que o PS poderá chegar a um acordo positivo com o Chega e vice-versa».