Hesitei muito sobre o tema do artigo desta semana. Falando com uma pessoa amiga, ela sugeriu-me falar de coisas bonitas e boas. Os últimos tempos têm sido realmente pesados – disse-me ela – e os noticiários 24/24 banalizam a preocupação, a depressão, o horror, a desgraça, e a fealdade a um tal ponto que se torna legítimo perguntar se não contribuem para agravar as feridas psicológicas e sociológicas do mundo contemporâneo.
Não é fácil encontrar coisas bonitas e boas de que falar. Os meus (nossos?) sentidos estão atulhados de coisas feias, más e preocupantes. É, pois, muito mais fácil encontrar motivos de pessimismo e coisas erradas para criticar. São, aliás, estes os temas que mais likes suscitam nas redes sociais. O bota abaixo é sempre popular.
E as coisas bonitas? Tomara ter a sensibilidade de um Miguel Esteves Cardoso para me encantar com as coisas singelas e a sua habilidade para transmitir esse encantamento. Então falaria, talvez, de um Jack Russel perseguindo pilritos no areal deserto de Monte Gordo numa manhã fria de outono. Ou poderia, talvez, referir a beleza física de O Livro Branco de Han Kang, (um livro mais belo do que bom). Ou do prazer que é frequentar o Campus de Carcavelos da Nova SBE, cheio de jovens de todo o mundo, num entardecer de verão. Mas não. Como não a tenho escolherei algo mais próximo da minha zona de conforto.
Por dever de ofício integro uma equipa internacional a que foi cometida uma apreciação da rede nacional de ‘institutos de interface’. Estes institutos constituem pontes entre a academia e a ciência e tecnologia, por um lado, e a indústria, por outro e procuram contribuir para atravessar o enorme vale que separa a investigação fundamental e a invenção, da inovação e comercialização. Simplificando, por missão, são supostos estar menos preocupados em responder à questão ‘qual será a próxima grande descoberta?’ e mais com ‘qual será o próximo grande negócio?’. São mais de sessenta; alguns têm mais de 20 anos, outros são produtos do PRR. A maioria são associação privada sem fins lucrativos. A sua missão divide-se em duas vertentes: uma, market pull, visa ajudar as empresas a identificar as necessidades do mercado e, através de investigação, a aplicar tecnologias inovadoras para dar resposta a esses desafios e aumentar a sua eficácia; a outra, technology push, desenvolve agendas de investigação e inovação orientadas para a criação de emprego qualificado e de valor económico e social. Têm, pois, um papel essencial para aumentar melhorar a qualidade de processos produtivos, a produtividade das empresas e a competitividade das nossas exportações. Existem institutos de interface de todos os tipos (e também, certamente, da mais variada qualidade): aqueles ligados a um setor (por exemplo, têxteis, calçado ou moldes e plásticos), ou aqueles mais transversais (trabalhando, por exemplo, na transição verde e digital, energia, saúde, agro alimentação, ou biotecnologia); uns destacam-se mais pela excelência científica outros mais pela excelência na transferência de tecnologia e conhecimento outros ainda pelo seu papel no controlo de qualidade e certificação. Muitos empregam um número grande de doutorados e mestres, para além de técnicos especializados; têm laboratórios que são, muitas vezes, state-of-the art. O que vi deixou-me extremamente bem impressionado. Existem verdadeiras pérolas, muitas delas com reputação e significativos clientes e parceiros internacionais. Diz-se muitas vezes que é preciso reforçar a colaboração entre a academia e a indústria. Os institutos de interface fazem precisamente isso e, penso, constituem uma solução melhor do que empregar doutorados em empresas. Certamente que existem progressos a fazer. Por exemplo, existem sessenta e seis destas instituições, o que parece um número excessivo para a estrutura industrial do país. Mas, em geral, fiquei convencido que as dificuldades existentes para acelerar o crescimento e modernizar a economia devem procurar-se não no sistema científico nacional e na articulação entre a academia e a indústria, mas na estrutura do próprio tecido empresarial.
Falar de coisas bonitas
Não é fácil encontrar coisas bonitas e boas de que falar. Os meus (nossos?) sentidos estão atulhados de coisas feias, más e preocupantes