Guiné-Bissau, 1 – Moçambique, 2. O sonho de Boa Morte morreu ao cair da tarde

Derrota contra Chiquinho Conde no primeiro jogo decisivo da carreira do novo treinador português.

BISSAU – O povo caminha em festa para o Estádio 24 de Setembro. Amarelo, verde, vermelho: cores de África. Balantas, fulas, mandingas, manjacos, papéis: gente da Guiné Bissau. Uns dançam enquanto avançam. A alegria não depende da vitória. Talvez, quanto muito, a cerveja que se beberá depois nas tabancas onde se vende Cristal e Super Bock e Sagres tal como aí. A força deste povo é a crença. Quem nada tem pode exigir tudo. Pouco importa que este seja um jogo duro para os guineenses, obrigados a ganhar a um adversário mais rico e mais poderoso. O bairro de Bandim, onde fica o estádio, vai ficando apinhado. Vida do dia a dia. Meninos com farda de colégio. Mulheres com baldes à cabeça: cervejas, sacos de plástico com água dentro.A Avenida 3 de Agosto é um rio. E o rio, o Geba, que fica do meu lado direito, para lá do Mercado do Peixe, envia-nos por fiapos de brisa um cheiro inconfundível. Vendedores de bilhetes entre dois e cinco mil CFA (dividam por 0,0015). Camisolas de todos os clubes de Inglaterra. Pelo altifalante o speaker diz que é um momento histórico para o país. Mas o estádio não enche.

São quase quatro horas da tarde. Tudo ferve. Até a alma dos que entram no relvado.

Jogo de músculos

É um jogo de músculos que rangem como ferros. Até onde irá a resistência de cada um neste bafo tropical? Não é precisa de pedir que suem as camisolas. Em cada um dos bancos um amigo: Luís Boa Morte e Chiquinho Conde. Sonha mais o primeiro do que o segundo nesta sua época de estreia como treinador principal. Precisa de ganhar e Chiquinho não. Precisa de se afirmar e Chiquinho não. Eu que compartilhei com ele os balneários da selecção nacional não consigo ficar indiferente. Jornalista é isento mas cabe-lhe esconder sentimentos. A sua equipa quer jogar. Moçambique espera. E marca, de longe, por Langa, aos 9’. As coisas começam a correr mal. Os milhafres às dezenas sobrevoam Bissau. Talvez não seja sinal de boa sorte.

O futebol da Guiné endurece. Os adeptos gostam. O ritmo dos tambores é agora mais frenético do que o da partida. E os da casa carregam. O seu avançado-centro, Beto, alto e pescoçudo como uma girafa negra, que já havia desperdiçado um golo de espaventar ornitólogos, empatou em cima do intervalo. De cabeça claro. No estádio os adeptos estão eufóricos. O homem do microfone pede: ‘Amigos, calma e ponderação; tudo está em aberto’. Dou-lhe razão.

Com o orgulho da pátria em causa há que ir em busca da vitória. Já se joga à sombra em quase metade do campo. Ambas as equipas mantêm a bola junto ao chão. Mas é pelo ar, num canto, que Moçambique faz 2-1 por Stanley Ratifo. Morre o sonho de Boa Morte. Precisa de mais três golos, que na Taça de África ainda contam os golos fora (1-2 em Maputo). Mas a honra está agora em pelo menos não perder. Mais tranquilos os Mambas controlam os acontecimentos. Geny Catano ia tendo espaço para usar a velocidade, o som das conversas abafou os gritos como um cobertor de papa. São conversas de desânimo. Boa Morte tenta ainda três centrais. Estou curioso em relação à sabedoria do speaker. Ele não desilude: ‘Caiu o grande sonho da Guiné Bissau! Mas está tudo bem’. Morreu ao cair da tarde como um fado de Coimbra.