Kemi Badenoch: a nova Dama de Ferro

Será a primeira líder negra de um partido importante no Reino Unido, mas Badenoch, inspirada em Thatcher, está focada em ser uma líder da oposição forte de modo a chegar ao número 10 de Downing Street

Após uma das mais expressivas derrotas da história do Partido Conservador nas eleições de 4 de julho, Rishi Sunak anunciou a sua demissão de líder dos tories, abrindo caminho para uma eleição interna que ditou o novo líder da oposição. Kemi Badenoch, secretária de Estado para o Comércio Internacional e ministra da Mulher e da Igualdade do Centro para a Igualdade nas administrações Truss e Sunak, emergiu vencedora de uma eleição que se desdobrou em oito fases. Após a redução faseada do número de candidatos, de seis para dois, Badenoch venceu o mano-a-mano com Robert Jenrick, conquistando 56% dos votos.
Os catorze anos de hegemonia conservadora no número 10 de Downing Street chegaram ao fim, e com estrondo. Mas Badenoch, que já foi comparada a Margaret Thatcher, uma das suas inspirações, representa uma esperança para enfrentar o Labour de Keir Starmer, que está a perder terreno na taxa de aprovação de forma significativa desde que tomou posse.
A nova líder conservadora tem em mãos uma tarefa complicada, ainda que o Reino Unido esteja a apresentar problemas significativos sob a liderança de Starmer, e terá de se focar em convencer o eleitorado de que dará uma boa primeira-ministra. Há vários sinais que alimentam as esperanças dos tories para a eleição de uma quarta primeira-ministra, mas a procissão ainda vai no adro.
Kemi Badenoch, nascida em Wimbledon como Olukemi Olufunto Adegoke, é filha de nigerianos e intercalou a juventude entre Lagos, na Nigéria, e os Estados Unidos, onde a mãe dava aulas de fisiologia. Segundo a BBC, voltou ao Reino Unido com 16 anos e foi uma aluna de excelência, mesmo tendo de dividir o estudo com um part-time no McDonald’s.
São dados importante não só porque se torna a primeira líder negra de qualquer partido britânico, mas principalmente porque não faz disso bandeira, rejeitando a importância da cor da pele e valorizando o caráter e as convicções políticas. Talvez por isto caiu nas más graças dos ativistas raciais e feministas.
No The Guardian – jornal inglês que anunciou recentemente a sua saída do X (antigo Twitter) devido a «conteúdos frequentemente perturbadores promovidos ou encontrados na plataforma, incluindo teorias da conspiração de extrema-direita e racismo» – a colunista Nesrine Malik escreveu um artigo intitulado ‘É suposto pôr a política de lado para celebrar Kemi Badenoch – mas como podemos fazê-lo?’, onde tenta explicar como não é possível estar feliz com a ascensão de uma mulher negra ao topo da hierarquia política britânica porque, resumidamente, é conservadora. Também o jornalista nigeriano Nels Abbey lamentou a escolha de Badenock, garantindo que é «o membro mais proeminente da classe de colaboradores negros da supremacia branca». É interessante e não deixa de ser revelador.

Contra a maré
A líder conservadora opõe-se firmemente a este determinismo, deixando claro que «os adeptos deste credo moderno não pensam em termos de individualidade e de responsabilidade pessoal, de liberdade de associação ou de expressão e de experiências partilhadas, mas de identidades separadas e segregadas de vítimas e opressores».
Badenoch formou-se em Engenharia Informática pela Universidade de Sussex, trabalhando posteriormente na área enquanto se formava também em Direito, tendo passado também pela Finança, onde foi diretora adjunta do banco Coutts e foi responsável pela secção digital da revista The Spectator.
Foi na Universidade de Sussex, como conta Michael Ashcroft na biografia de Badenoch citado pela BBC, que a agora líder da oposição se radicalizou num ambiente universitário maioritariamente de esquerda. Como conta o seu biógrafo, a líder dos conservadores considerava os ativistas universitários uma «elite metropolitana mimada, intitulada e privilegiada em formação». É possível que, em virtude do que hoje se passa nos campus universitários, não tenha mudado de opinião.

Margaret Tatcher como referência
A sua grande referência política é Margaret Thatcher, representante de uma era, juntamente com Ronald Reagan, onde o conservadorismo liberal – inspirado principalmente por Friedrich von Hayek e outros nomes importantes da Escola Austríaca –, baseado no livre mercado e na diminuição do aparato governativo, era a regra nas duas principais potências ocidentais. E tal como conta Niall Ferguson, Kemi Badenoch «é feita do mesmo material».
Assim, a recém-eleita líder da oposição, que venceu um conservador mais ‘tradicional’ do partido, representa uma esperança para esta vertente ideológica e filosófica que tem estado em declínio nas últimas décadas, em especial nos Estados Unidos.
A tentativa de romper com o centrismo que levou ao desaire eleitoral causa alguma divisão dentro do partido, mas Badenoch nunca escondeu ao que vinha. Desde a declaração de guerra ao wokeísmo, afirmando que «uma criança não pode ser transgénero», às alterações climáticas, tema sobre o qual acusou o Governo de Starmer de estar a «falir o país» com o objetivo rígido de chegar ao Net Zero, Kemi Badenoch sempre se demonstrou uma mulher de convicções.
Num Reino Unido que passa um mau bocado em termos económicos e sociais e onde a liberdade de expressão está sob ameaça – veja-se o episódio que aconteceu à jornalista do The Telegraph Allison Pearson, descrito na coluna «A minha visita da polícia no Remembrance Sunday é a prova viva do nosso sistema judicial a dois níveis» o desejo de Badenoch, e o da maioria dos conservadores britânicos, é, certamente, tornar-se numa Dama de Ferro 2.0. l