A possível nomeação do novo procurador-geral nos EUA deve fazer soar campainhas de alarme nas democracias ocidentais. O indicado, Matt Gaetz, é um congressista republicano, eleito pelo estado da Florida. É um acérrimo defensor de Donald Trump, permaneceu do seu lado nos momentos mais difíceis, como nos tempos após o ataque ao Capitólio, de janeiro de 2021.
O problema com a possível nomeação de Gaetz para o cargo de procurador-geral não é relativo à proximidade política com o reeleito Presidente. É normal que, quem ganhe eleições, nomeie para os cargos de confiança… pessoas da sua confiança. Seria pior se fosse nomeado um familiar, talvez um irmão. Imagine-se que Donald Trump nomeava o seu irmão para um cargo como aquele, seria certamente tratado como um monstro político. Na verdade, o quase canonizado John F. Kennedy nomeou o seu irmão, Robert F. Kennedy (pai do agora indicado para secretário da saúde), para procurador-geral, em 1960.
Todavia, neste caso, ainda que não seja uma questão de nepotismo, o indicado é alguém com histórico de posições políticas pouco apropriadas para o institucionalismo que o exercício do cargo exige. Tem processos judiciais por abuso sexual (o que até o aproxima do Presidente eleito) e posições assumidamente contra instituições do Departamento de Justiça, aventando-se a possibilidade de desmantelar o FBI.
Como sempre, o que é verdadeiramente importante é perceber as razões que permitiram que tão inapropriada criatura seja aceite como possível procurador-geral. Como podem tais posições, frontalmente contra um pilar fundamental do sistema democrático, serem toleradas?
Na realidade, é a falta de respeito das instituições por si próprias, e a degradação do ambiente político dos partidos do centro, que criaram o caldo de cultura de tolerância ao intolerável.
Em concreto: Trump, no meio de todos os processos judiciais, tem alguns nos quais terá sido bem acusado e, outros, nos quais o Departamento de Justiça terá ido mais longe do que devia. A instrumentalização das instituições judiciais para perseguir os adversários políticos é ‘meio caminho andado’ para a destruição das mesmas. Pior quando os seus agentes despem as vestes da imparcialidade.
Trump, nestas eleições, também beneficiou destes excessos, o que lhe permitiu um imenso capital de vitimização, que soube utilizar. Um poderoso perseguido injustamente pelas instituições verdadeiramente poderosas, passa à posição de injustiçado. Quando ganha, e se é populista com um discurso contra as instituições, tem a legitimidade de reformar essas instituições, até onde essa legitimidade o permitir. É essa medida que Gaetz vai certamente aplicar.
Transposto para a nossa realidade, os excessos do aparelho de Justiça, leia-se a perda de imparcialidade e de proporcionalidade, são as sementes da destruição do estado democrático de direito.
Curiosamente, quase tudo isto se resume ao bom senso e ao equilíbrio das instituições e das pessoas que as representam. Basta que as mesmas estejam à altura das circunstâncias e dos cargos.
Como Gaetz, nos EUA, não faltam por cá os tiranetes populistas que irão ajustar o modelo de justiça à sua conveniência. A vida ensina.