A questão do direito à greve voltou à atualidade mediática por declarações infelizes da ministra da Administração Interna, e, logo a seguir, pelas mortes ocorridas na sequência de uma greve no INEM. Já disse o que pensava sobre o direito à greve na PSP e sobre as dúvidas levantadas pela greve no INEM. No seu último comentário televisivo, Marques Mendes afirmava que, «se o inquérito descobrir que há um nexo de causalidade entre as mortes e a greve, a ministra tem de se demitir».
Não percebo a lógica desta afirmação.
Muito mais compreensível é a posição de Álvaro Beleza quando diz «que num serviço que não é de urgência mas de emergência, do qual depende a vida de pessoas, a greve é muito discutível».
Ora, eu vou mais longe: a greve não é aceitável.
Há que distinguir entre uma greve no Estado e uma greve no setor privado. São coisas completamente diferentes. No privado, numa fábrica, por exemplo, os prejuízos de uma greve são mensuráveis.
A administração sabe quanto custou uma paralisação do trabalho.
Pode fazer contas e chegar à conclusão de que, em certas situações, é mais rentável ceder a certas reivindicações dos trabalhadores do que resistir-lhes.
Em 1986 visitei o Japão e disseram-me que ali não havia uma greve desde a 2.ª Guerra Mundial.
Perante o meu espanto, explicaram-me (a conversa passava-se na fábrica da Toyota): quando lançavam um novo modelo, estabeleciam o preço de modo a que fosse competitivo na Europa e nos EUA.
A partir daí calculavam os custos de produção e estabeleciam o que poderiam gastar com mão-de-obra.
E feito isto, definiam os salários.
Os trabalhadores tinham uma grande participação neste processo – e sabiam que, se exigissem mais dinheiro, a produção do carro seria mais cara, o preço de venda teria de ser mais alto, o modelo seria menos competitivo nos mercados europeu e americano, as vendas não atingiriam os objetivos e a empresa poderia entrar em crise.
Em qualquer empresa privada é possível fazer isto. Mas no Estado estas contas são impossíveis de fazer. Como quantificar o impacto económico de uma greve? Deste ponto de vista, o ‘patrão’ até pode ganhar, pois há muitos serviços públicos que são deficitários e, se encerrarem, reduzirão as despesas.
Além disso, ao contrário do que acontece no setor privado, uma greve na Função Pública não afeta o ‘patrão’, os acionistas, mas sim os ‘clientes’, ou seja, a população.
Quando um serviço fecha as portas – sejam as finanças, sejam os tribunais, sejam os transportes, seja a recolha do lixo, seja o SNS, sejam as escolas –, quem sofre as consequências é o cidadão comum.
Não é possível, pois, estabelecer um paralelo entre o Estado e o setor privado no que respeita à greve.
São situações completamente diferentes – quer no impacto económico, quer nos prejudicados pela greve.
Se no setor privado a greve é economicamente quantificável e faz parte do jogo de forças num mercado aberto, no setor público é inquantificável e conflitua com os direitos dos restantes cidadãos – no seu acesso às repartições, aos transportes, à saúde, ao ensino, etc.
Assim, o direito à greve no Estado deve ser visto à luz de outra ótica – e pode ser questionado. Os funcionários públicos poderão ter as suas associações, poderão discutir com o Governo salários, promoções, regalias, etc., mas o direito à greve – a existir – deve ser sujeito a regras especialíssimas e que não coloquem em causa outros direitos. Dir-se-á que isso é inconstitucional. Mas os funcionários já têm algumas limitações à liberdade, como seja a expressão pública de opiniões sem autorização das chefias.
Quando alguém entrasse para o Estado, já saberia de um certo número de regalias que no setor privado não existem – como a interdição do despedimento –, e seria também informado sobre as suas limitações, entre as quais o direito à greve; e estaria na sua mão aceitá-las ou não.
Tudo seria claro e transparente.
Tendo o Estado e o setor privado características muito diferentes, os seus trabalhadores também deverão ter direitos e deveres diferentes.