O receio de uma escalada nuclear no conflito russo-ucraniano tem sido o tema dominante da política internacional durante a última semana. A autorização dada a Kiev pelo Presidente americano, Joe Biden, para atacar território russo com mísseis de longo alcance – os ATACMS – foi a principal causa.
De Moscovo chegaram as habituais ameaças, mas trata-se de algo que deve ser avaliado com precaução, dado o que está em jogo. O risco nunca foi tão elevado desde a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, quando os Estados Unidos e a União Soviética estiveram à beira de um conflito nuclear após a instalação de mísseis soviéticos na ilha cubana, apontados ao território norte-americano. Também agora estamos num ambiente de Guerra Fria, mesmo com evidentes diferenças da que se assistiu no século XX, e as peças do xadrez internacional movem-se de forma minuciosa para que possa chegar a bom porto e evitar o apocalipse nuclear.
A nova doutrina nuclear russa, que já havia sido anunciada, faz soar os alarmes, e o novo míssil lançado pelo Kremlin tem levantado preocupações um pouco por toda a comunidade ocidental. A escalada está consumada, num período de transição em Washington.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fala numa “escalada clara e grave”, enquanto Vladimir Putin garante que vai prosseguir “estes ensaios, incluindo em ambiente de combate, em função da situação e das ameaças à segurança da Rússia”.
O Oreshnik
Nasemana passada, como resposta ao ataque da Ucrânia, que se apressou a atingir território russo após a luz verde de Washington, Moscovo retaliou contra a cidade de Dnipro, naquele que foi um teste ao seu novo míssil balístico hipersónico de alcance intermédio, o Oreshnik (aveleira, em português), que tem um alcance de até 5,5 mil quilómetros.
Após análise dos destroços, as autoridades ucranianas alegam que o míssil atingiu a velocidade máxima de 13 mil quilómetros por hora. O Kremlin garantiu que não há possibilidade de ser intercetado com defesas aéreas. Segundo a agência Reuters, que enviou repórteres ao local, o exército ucraniano está a estudar os fragmentos do míssil de modo a conhecer as cadeias de abastecimento militar russas, a produção e também como desenvolver uma resposta.
Quanto ao impacto causados pelo Oreshnik, a mesma agência citou os peritos ucranianos, que dizem ter havido danos civis, mas que “estas são conclusões preliminares e para dizer algo mais concreto é necessário tempo e um estudo cuidadoso dos restos do míssil”.
Segundo Julian Ropcke, analista militar do jornal alemão Bild, citado pelo The Kyiv Independent, o míssil não causou danos significativos e seria, alegadamente, uma modificação do míssil russo RS-26 Rubezh, tendo sido equipado com algo das mesmas dimensões para simular uma ogiva nuclear. Assim, Ropcke diz que “isto demostra que se tratou de uma ação de propaganda e política e não de uma ação militar. Não havia nem uma carga nuclear nem explosivos no interior. É por isso que os danos são insignificantes”.
O que esperar?
Sendo que a escala nuclear é possível, mas pouco provável, o que podemos esperar do conflito nos próximos tempos, principalmente com a volta de Donald Trump à Casa Branca em janeiro? Que a política externa de Washington vai mudar é certo, e que Trump alegou colocar um ponto final no conflito em 24 horas e mesmo antes de assumir a Presidência, também. Mas estas duas últimas hipóteses parecem irrealizáveis dado o momento atual da guerra. Zelensky já se mostrou esperançoso quanto ao regresso da “paz pela força” à Casa Branca, mas uma solução justa não está à vista.
Dmytro Kuleba, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, disse, em entrevista a Fareed Zakaria, que “quando o Presidente Trump tomou posse pela primeira vez, toda a gente falava do grande acordo com a Rússia e a Ucrânia estava ansiosa com a perspetiva de ser negociada como parte de um acordo mais alargado entre Trump e Putin, mas o acordo não se concretizou. Não foi nada de especial e acabou com Trump a impor sanções ao mais importante projeto pessoal de gás do Presidente Putin, o Nordstream 2. (…) Nós recordamos a História”. Kuleba acredita que estes novos ataques de Putin, em conjunto com as ameaças, assustam, mas não vão destruir os ucranianos, e coloca três perspetivas para uma possível negociação: “Em primeiro lugar, Zelensky não vai ceder sob pressão. Em segundo lugar, a Ucrânia não concordará com qualquer solução rápida. Em terceiro lugar, a chave para a paz está em Moscovo, não em Kiev”.
III Guerra Mundial?
Putin acredita que o conflito já atingiu dimensões globais e julga-se no direito de utilizar armas contra alvos militares pertencentes a países que permitem que as suas armas sejam utilizadas contra a Rússia. O líder russo confirmou ainda, segundo a CNN, que seis mísseis americanos foram utilizados por Kiev para atacar a região de Bryansk, bem como sistemas Storm Shadow, britânicos e franceses, que tiveram como alvo Kursk – região sobre a qual os ucranianos lançaram uma ofensiva há poucos meses. “A partir desse momento, como já salientámos repetidamente, o conflito regional provocado na Ucrânia assumiu elementos de natureza global. É impossível utilizar essas armas sem o envolvimento direto de especialistas militares dos países que as produzem”.
Ainda assim, e tal como disse Peter Dickinson, editor do blogue UkraineAlert no Eurasia Center, num artigo recente para o Atlantic Council, “Apesar do histrionismo de Moscovo, a decisão dos EUA de autorizar ataques limitados em território russo não é suscetível de transformar o campo de batalha ou de desencadear uma guerra mundial”.
De qualquer das formas, os países próximos da Rússia começaram já as campanhas de sensibilização na eventualidade de conflito nuclear.
Assim, os olhos estão postos na Ucrânia, num momento em que a humanidade poderá ser colocada à beira da destruição.