Falhanços e fraquezas

Os nossos filhos cada vez menos querem ser avaliados, não arriscam no erro e rendem-se à inércia de um destino que não pertence a ninguém. Dizem-lhes que não podem falhar, e nisso eles não falham

Somos pais obcecados com o falhanço. Falhar, em linguagem parental, é sinal de fraqueza. Os pais gritam quando os filhos falham um golo à boca da baliza e as mães quase que choram (ou choram mesmo) quando os professores dão negativas aos seus filhos. Vivemos entre medalhas e facadas. Cada sucesso dos nossos filhos é uma medalha que se exibe por uma vaidade alheia e cada facada é um falhanço que se esconde com vergonha e sofrimento. A nova geração de pais vive de rankings, de médias, de normalização, de comparações e de modas. Preocupa-se demais e preocupa-se com as coisas erradas. A melhor forma de aprender é através do falhanço, não interessa cair, o que é relevante é como nos levantamos. Escrevemos estas máximas nas rede sociais, mas faz-se o contrário na vida real.
Os pais procuram desculpas para os falhanços dos filhos da mesma forma que justificam um atraso no trabalho ao chefe. Mas só o facto de se preocuparem em justificar, em sofrerem como sofrem porque não deslumbram talentos especiais nos seus filhos ou não veem resultados escolares satisfatórios, é que é verdadeiramente preocupante.
Alguém, algures, por uma qualquer razão desconhecida, deu-nos filhos para cuidarmos deles, os levarmos até ao dia em que eles se fartam de nós e vão à sua vida. Mas a vida, caros pais, é mesmo a deles. E cada um tem centenas de fraquezas e de fortalezas que ninguém conhece. Nem os próprios. Mas os pais brincam a Deus como quem brinca às bonecas. Preocupamo-nos com destinos que não estão escritos, projetamos as nossas crianças e jovens em ebulição hormonal em CEOs e campeões de futebol e estamos absolutamente convencidos que a nossa função é de carpinteiro, que somos o Gepeto do Pinóquio do século XXI. Não somos. Somos apenas bengalas, porque o percurso é deles. Cair faz parte de qualquer corrida e esfolar o joelho é uma das consequências.
As crianças deliram com feridas porque está gravado na sua alma que cada arranhão é sinal de vida, ou seja, de um falhanço qualquer. O adesivo vem depois, é a cura, a marca de que se levantou, superou. Choraste? perguntam umas às outras para aferirem o grau de valentia. Falhanço não é sinónimo de fraqueza. Fraqueza é mentir, roubar, invejar, caluniar. Falhanço é apenas não conseguir.
Os nossos filhos, como qualquer ser humano que pise a terra, sofre dos dois. Foi assim que chegámos e será assim que seremos devolvidos. Mas os novos pais, mais do que todos os outros que lhes antecederam, vivem obcecados com os falhanços e pouco com as fraquezas. Do exagero do século passado em que se marcavam os filhos como aqueles que têm cabeça e os que são força bruta, os que vão estudar e os que vão para o cultivo com uma naturalidade assombrosa, passou-se para a dicotomia do falhanço e não falhanço. Os miúdos, esses, encolhem-se, não vão a jogo. Cada vez menos querem ser avaliados, não arriscam no erro e rendem-se à inércia de um destino que não pertence a ninguém. Dizem-lhes que não podem falhar, e nisso eles não falham.