A propósito das ações fiscalizadoras da ASAE que têm decorrido em Lisboa, um dirigente da comunidade do Bangladesh, o Sr. Udin, surpreendeu os jornalistas. Disse-lhes então, para sobressalto geral: «A ASAE costuma vir cá, e acho muito bem. Há pessoas que não conhecem bem as regras de Portugal e assim ficam a conhecê-las». A comunidade do Bangladesh dedica-se, tradicionalmente, ao comércio de rua. É, por isso, uma das prejudicadas quando surgem estabelecimentos que, de facto, não vivem da atividade comercial.
Quem não concorda com as ações de fiscalização é a Assembleia Municipal de Lisboa (AML). Unida na oposição ao Executivo, a Frente Popular onde campeia o Bloco de Esquerda e se associam os votos do PS, Cidadãos por Lisboa, PCP e Livre tinha aprovado, há dias, uma moção que pedia a suspensão destas ações, com a justificação de que «urge combater as ideias que têm disseminado narrativas falsas e discursos de ódio contra as pessoas migrantes».
Também no Porto, nos contactos frequentes que mantenho com a bem integrada e laboriosa comunidade do Bangladesh, a preocupação dos seus dirigentes é a mesma. Pedem sempre mais policiamento e mais segurança para poderem realizar as suas atividades legítimas. O Sr. Shah Alam Kazol, empresário e líder da comunidade no Porto, é um cidadão respeitado e muito ativo, que fez parte das listas do PS à autarquia. Ora, explicava ele há dias à SIC que há lojas que servem como espaço de habitação temporária, especialmente por quem enfrenta dificuldades financeiras e burocráticas para arrendar casa.
Em suma, existe de facto um problema com as lojas de ‘souvenirs’, mais percetível em Lisboa e no Porto, que causa legítima preocupação a toda a população, incluindo as comunidades etnoculturais. Como tal, e face ao alarme social, mesmo que induzido, as autoridades devem intervir para garantir a legalidade.
Se o PS entende que o Governo está a politizar a questão, e que deve deixar ao arbítrio das polícias não apenas a estratégia mas também as prioridades no combate à criminalidade e às atividades ilegais, bem faria, por uma questão de coerência, em não cair nesse alegado pecado. A moção aprovada com os seus votos na AML representa, na verdade, uma ingerência nas competências das polícias.
E ao invés de defender as comunidades migrantes, o PS acaba por as expor ao racismo, quando as relaciona diretamente com atividades ilegais que devem ser combatidas, qualquer que seja a etnia, nacionalidade ou credo religioso do infrator. Por muito que isso incomode o SOS Racismo…
Neste tema da segurança e da sua perceção – de que o Chega se tenta apropriar e que o Governo tenta resgatar com mais razão que jeito –, há muitas outras coisas que me causam perplexidade, mas que não consigo elencar neste artigo. Gostava, no entanto, de dar nota de uma dúvida que me assalta: se hoje é evidente que o tráfico de droga e os crimes que lhe estão associados são o maior fator de insegurança, se se trata da atividade ilegal que, à vista de todos, mais se perpetra nas nossas ruas, se tem um impacto terrível na segurança e na saúde, por que razão nunca é referenciado no discurso securitário mais radical?
É por isso, por alimentar negacionismos da esquerda à direita, que o Governo deve tratar a questão da segurança, em todas as suas vertentes, com pinças. É um tema sério, em que não pode haver dislexia entre a perceção e a realidade. Nem um foco desproporcionado em diagnósticos parcelares, que distorcem a desejável ação preventiva do Estado.
Se somos um país seguro e ainda temos uma sociedade relativamente coesa, é preciso muito juízo. Se falta um adulto na sala, chame-se aquele velho senhor venerável – o ‘sentido de Estado’.
A política na (in)segurança
Se falta um adulto na sala, chame-se aquele velho senhor venerável o ‘sentido de Estado’.