A luta continua a greve está na rua

Em Portugal não existe muito o espírito de meritocracia, onde os melhores ganham mais. Aqui luta-se como numa República Soviética, onde de derrota em derrota haveremos de chegar à derrota total. É certo que há greves que fazem todo o sentido, mas a maioria está longe disso.

Há dias estava a ouvir a ofegante Ana Gomes e fiquei um pouco desconcertado, obrigando-me mesmo a voltar atrás na gravação para saber se tinha ouvido bem. Mas tinha. A antiga eurodeputada do PS, a propósito da situação na Síria, fazia um pouco da retrospetiva do país e lembrava que o ditador Bashar al-Assad tinha matado, há uns anos, milhares de cidadãos com gás sarin e que a Europa e os Estados Unidos nada fizeram. Calculo que Ana Gomes estivesse a insinuar que deviam ter intervindo militarmente, pois não vejo outra forma direta de se combater alguém que viola todas as regras de humanidade para se manter no poder. As acusações da militante do PS podiam ser aplicadas ipsis verbis a Saddam Hussein, mas não me recordo de Ana Gomes ter elogiado a intervenção americana e dos aliados no Iraque. É certo que não havia armas de destruição maciça, mas o ditador iraquiano também tinha dizimado milhares de curdos com gás sarin.

Vem esta conversa a propósito do ângulo com que se olha para a realidade. Se há uma manifestação desordeira, que coloca a liberdade dos outros em causa, mas se for organizada pelos coletivos de esquerda – os novos braços armados do BE e do PCP, embora este não goste do caos – então o direito à indignação faz todo o sentido. Foi por isso que o BE nunca criticou os selvagens que colocaram a Grande Lisboa a ferro e fogo.

Mas se a manifestação tiver alguma coisa a ver com o Chega, nem que seja muito ao de leve, então não passam de uma cambada de fascistas que querem impor a sua lei. Veja-se o caso dos Sapadores Bombeiros: perderam todo o apoio pelas parvoíces que fizeram e porque além da ligação às claques de futebol – muitas vezes são fornecedores de material pirotécnico, pois são eles que sabem onde se pode comprar – alguns também têm ligação ao partido de André Ventura. Foi o suficiente para tudo mudar.

Não me lembro de nos últimos anos ver tanta manifestação e tanta greve. Porque será? Estaremos a viver pior? Se nem no tempo da troika houve tanta paralisação da sociedade, qual a razão para estar tudo permanentemente em greve? Por uma razão muito simples: o BE e o PCP não podem aceitar a derrota que tiveram nas urnas e entendem que a força da rua é mais forte do que a força do voto.

José António Saraiva, que, como é sabido, pouco se importa com o que pensam dele, já colocou o dedo na ferida no que diz respeito ao direito à greve de algumas profissões, como sejam os casos dos polícias, dos militares e de outros como o INEM… Fará algum sentido o fecho de um serviço colocar em perigo de vida os cidadãos? Não me parece, embora, como é óbvio, as pessoas tenham de arranjar formas de mostrar o seu descontentamento – e não pensem que defendo que a greve não é um direito. Bem pelo contrário, mas há profissões que deviam de encarar o serviços mínimos como perto dos máximos…

Independentemente das razões que levam empregados a colocar empresas em risco de sobrevivência – se a CP_não fosse do Estado há quanto tempo teria acabado? – pergunto se os principais partidos não deveriam legislar para proibir greves à sexta e às segundas-feiras. Percebo que seja muito agradável ter um fim de semana prolongado, mas os outros não têm qualquer culpa disso. E, já agora, qual a razão para haver tantos sindicatos em algumas empresas? Será que o interesse dos trabalhadores não é comum? Não querem o bem da empresa para ela lhes pagar bem? Que os patrões tenham as suas associações, muito bem, mas os trabalhadores, por exemplo, da CP terem mais de uma dezena de sindicatos não faz qualquer sentido. Mas ninguém vai lutar contra isso.

Telegramas

Portas com asas

Paulo Portas, além do seu gosto pela política, e de ser um excelente comentador televisivo, tem um talento que muitos desconhecem: é um magnífico crítico de cinema. Por isso, aprendeu a estar quietinho a fazer-se de morto para avançar na hora certa para a Presidência da República. Mas acho que Portas tem tantas hipóteses de ser Presidente como um submarino de ganhar asas.

A unanimidade soarista

Estou perfeitamente à vontade, pois no jornal i e aqui no_Nascer do SOL demos destaque suficiente aos 100 anos do pai da democracia em Portugal. Mas dizer que Soares era um santo e que só fez coisas bem feitas vai toda a distância do mundo. O seu papel na descolonização é questionável, bem como o seu papel no Caso Emaudio ou no apoio a acusados da Justiça. Ele que tanto lutou pela liberdade seria o primeiro a perceber isto…

Festejos antecipados

Será impressão minha ou está a festejar-se antecipadamente a liberdade na Síria. Já vi isso na Líbia…

vitor.rainho@nascerdosol.pt