Netanyahu e o antissemitismo

O drama de Netanyahu é que, a longo prazo, a sua política não tem sustentação e, com os excessos, está apenas a criar mais ressentimento e o prolongar de um conflito que parece eterno.

Diz-se, e está retratado no seu filme biográfico Golda, que a ex-primeira-ministra israelita Golda Meir contava como o seu pai escondia a família em casa quando, na sua Ucrânia natal, ‘vinham caçar judeus’. Essa memória tê-la-á definido, ao ponto de ter decidido nunca mais se esconder.

O antissemitismo não é coisa nova. Por uma ou outra razão, os ocidentais (porque o fenómeno não é apenas europeu, prosseguiu na ‘continuação da Europa’, os Estados Unidos da América) sempre apontaram o dedo aos judeus, como tendo estes uma qualquer responsabilidade especial nos problemas das suas sociedades. Se, ao longo da história, os judeus foram sendo perseguidos, estigmatizados ou expulsos, com o Holocausto atingiu-se o pináculo deste edifício, com a criação de um sistema organizado para eliminar judeus.

A independência de Israel, em 1947, e como já foi escrito nesta coluna antes, obedeceu, em primeira instância, à má consciência dos ocidentais na matéria: havia que saldar uma dívida secular e encontrar uma Pátria para os judeus.

Israel nasceu e viveu, nas suas primeiras décadas, credora dessa dívida secular. As guerras iniciais, da independência às guerras dos seis dias (1967) e do Yom Kippur (1973) foram marcadas ainda por esse tempo. Todavia, há alguns elementos essenciais que tornaram as coisas diferentes, que agora se agudizam.

Ao Estado israelita devia ter correspondido um estado palestiniano, que nunca tomou forma. Quando se soma a injustiça de não existir uma Palestina soberana com a perda de memória do Holocausto, a que acrescem as políticas de colonatos e as imagens das primeira e segunda ‘intifadas’, nas quais nos confrontávamos com pedras a lutarem contra tanques, criou-se o caldo de cultura que permitiu progressivamente regressar ao antissemitismo.

Ainda que os palestinianos não estejam isentos de responsabilidades, bem pelo contrário, pois Yasser Arafat teve todas as condições para um acordo de paz duradouro com Ehud Barak, há sempre uma sensação de desproporção de meios e de excesso de legítima defesa – que acresce a má diplomacia pública de Israel.

O ataque de 7 de outubro passado foi um erro enorme do Hamas, na medida em que conferiu a Netanyahu o pretexto perfeito para utilizar o argumento da defesa de Israel para se defender internamente, do ponto de vista político, e materializar militarmente o plano para criação da grande Israel.

O drama da posição do primeiro-ministro israelita é que, a longo prazo, a sua política não tem sustentação e, com os excessos, está apenas a criar mais ressentimento e o prolongar de um conflito que parece eterno.

Afirmar, como Netanyahu fez, que «os Montes Golã serão eternamente território israelita», aproveitando a desorganização atual da Síria, é condenar aquele local a ser mais um eterno foco de conflito e, pior, continuar a degradar a imagem de Israel no mundo, agudizando o sentimento antissemita, confundindo Estado com religião e, naturalmente, israelitas com judeus.

A Israel moderna inicial nasceu da razão moral do ofendido. A Israel atual, mesmo quando é ofendida, parece sempre fazer o suficiente para perder a razão.