O que é isto se não populismo?

«Governar para as pessoas» é uma frase muito bonita mas, além de populista, é um erro estratégico. Os governos têm sobretudo de pensar no futuro dos países – mesmo que, aqui e ali, isso seja contrário aos interesses imediatos das pessoas.

Há duas maneiras de governar: a pensar no imediato ou com os olhos no futuro. Ou seja: pensando na satisfação das necessidades e dos anseios imediatos das pessoas, ou pensando sobretudo na resolução dos problemas do país, com vista a um futuro melhor. A democracia tornou praticamente impossível governar com os olhos no futuro. Os políticos e os partidos dependem do voto dos cidadãos, sendo por isso tentados a satisfazer ao máximo as suas pretensões.

Um politólogo americano, com o detestável nome de Goebbels – embora não tendo nada a ver com ele, creio – dizia uma frase curiosa: «As eleições tornam os governos míopes».

Ou seja, os governos tendem a governar para as eleições seguintes – e o resto pouco lhes importa.

Nessa altura pode já lá estar outro partido, ou outro primeiro-ministro, e então eles que resolvam.

António Costa governou assim durante nove anos.

Foi satisfazendo os seus potenciais eleitorados, avançando com um aumento aqui, distribuindo um subsídio ali, tendo alguns cuidados para não comprometer as contas do país, mas não pensando muito no amanhã.

Por isso, do seu tempo pouco ficou, além da gestão corrente.

Olha-se para aquele período e foi um deserto: não há uma única obra que se veja.

E Luís Montenegro parece ir pelo mesmo caminho.

Tem mostrado habilidade, boa vontade, interesse em resolver os problemas – mas não o vejo a olhar para o país daqui a dez, ou vinte, ou cinquenta anos.

O lema de Montenegro é «Governar para as pessoas».

Trocado por miúdos, quer isto dizer que a governação se esgota na satisfação dos cidadãos.

Acontece em Portugal, entretanto, uma situação muitíssimo invulgar: a oposição tem exatamente a mesma atitude do Governo e dispõe de condições para impor medidas legislativas que agradam às pessoas.

O maior exemplo disso é o facto de os dois partidos da oposição, o PS e o Chega, se terem juntado para tornar definitivos os aumentos das reformas, contra a opinião do Governo.

A estratégia deste, como se sabe, era outra: dar um bónus aos reformados sem assumir compromissos definitivos.

O bónus seria dado anualmente quando houvesse condições financeiras.

Era uma atitude equilibrada e responsável, que não comprometia o futuro.

Ora, o que fizeram o PS e o Chega? Deitaram às malvas as preocupações com o futuro e aprovaram um aumento que compromete para sempre as contas do Estado.

Levaram o Estado a assumir uma obrigação que já não pode voltar para trás, aconteça o que acontecer.

 E para quê?

Para retirarem disso dividendos políticos.

A prova são os cartazes que o PS profusamente distribuiu reivindicando para si a responsabilidade dos aumentos: «As pensões vão aumentar por causa do PS».

E agora pergunto: o que é isto se não populismo? Há os populistas pela palavra – e André Ventura ou Trump são bons exemplos – e há os populistas pelas ações.  O Governo, ao dizer que governa «para as pessoas» – em vez de dizer que governa «para o país» (o que exige por vezes tomar medidas impopulares) –, está a assumir também uma forma de populismo.

E, já agora, Carlos Moedas, ao distribuir cartazes a dizer que a CML devolve o IRS aos lisboetas, está a fazer o mesmo.

Até parece um leilão, a ver quem dá mais.

Claro que esta atitude ajuda a explicar a crise em que o Ocidente está mergulhado. Quando os governos governam à vista, a pensar apenas nas próximas eleições, sem perspetivas de futuro, não criam condições para os países crescerem. Os cidadãos querem sempre mais direitos, mais regalias, melhores salários – e os governos, querendo agradar-lhes, vão atrás, comprometendo o dia de amanhã.

Não sei como isto vai acabar.

Mas penso que nos esperam tempos de governos mais firmes, mais corajosos e com maior capacidade de tomarem decisões contra a corrente – ou contra as pessoas, se se quiser –, tendo em vista o interesse das nações.

Situações como aquelas que aconteceram recentemente, com partidos da oposição a aprovarem contra a vontade do Governo medidas que comprometem o Orçamento, não deviam pura e simplesmente poder acontecer.

«Governar para as pessoas» é uma frase muito bonita mas, além de populista, é um erro estratégico.

Os governos têm de pensar no futuro dos países – mesmo que, aqui e ali, isso seja contrário aos interesses imediatos das pessoas.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt