São várias as razões que levam alguém a abandonar o seu país para se fixar noutro: a família, o trabalho, a educação, o asilo e, em casos extremos e completamente hediondos, vítimas de tráfico de seres humanos e menores desacompanhados, “bem como autorizações emitidas para todos os outros motivos pelos quais podem ser emitidas autorizações de residência e que não são abrangidas pelas outras categorias”, lê-se no site da Comissão Europeia.
Segundo as últimas estatísticas (2023): 34% das autorizações de residência foram dadas por Motivos Familiares; seguindo-se Outros (inclui as situações ilegais acima referidas); 21% por motivos de trabalho trabalho; 15 % por Asilo e apenas 4 % por motivos de Educação.
Imigrantes na Europa
Os últimos dados disponíveis sobre a demografia europeia mostram-nos que a 1 de janeiro de 2023 viviam na União Europeia 448,8 milhões de pessoas, das quais 27,3 milhões de pessoas provenientes de países terceiros residiam nos seus Estados-membros, o que representa cerca de 6,1 % da população total do bloco, de acordo com a última publicação do Eurostat.
Segundo o relatório do portal de estatística Pordata, em Portugal – no mesmo período a população totalizava 10.467 milhões de habitantes -, o número de imigrantes ultrapassava as 800 mil pessoas (ainda que segundo os dados mais recentes da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), os imigrantes sejam já mais de um milhão em Portugal – o que representa cerca de 10% da população nacional). Em 2022, mostram os dados do Eurotast, o país ocupava o 10.º lugar de uma tabela liderada pelo Luxemburgo (com 47 % da população imigrante) e Malta (com 21%).
Nesse ano – onde cerca de sete milhões de pessoas imigraram para os países da União Europeia -, a Alemanha (com 30 % das chegadas), a Espanha ( com 18 %), a França e a Itália (com 6% cada) foram os principais países escolhidos pelos imigrantes. Os quatro países acolheram, conjuntamente, 70% do total de imigrantes. Portugal acolheu apenas 1,6 %.
De onde vêm?
No que toca à nacionalidade, de acordo com o Eurostat, cerca de 984 mil imigrantes adquiriram a nacionalidade de um dos países da União Europeia em 2022. E se, em toda a União Europeia, os marroquinos (11%), os sírios (9%) e os albaneses (5%) lideraram a obtenção de cidadania, representando em conjunto, um quarto dos novos cidadãos europeus, em Portugal os brasileiros (30,7%), os cabo-verdianos (10,7%) e os ucranianos (8,6%) foram as nacionalidades que mais obtiveram a nacionalidade portuguesa.
Segundo o relatório da AIMA, no ano seguinte, em Portugal, verificou-se um acréscimo da população estrangeira residente, de 33,6% face a 2022, perfazendo um total de 1 044 606 cidadãos estrangeiros titulares de Autorização de Residência. A nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente com uma representação de 35,3% do total, seguindo-se Angola (5,3%), Cabo Verde (4,7%), Reino Unido (4,5%), Índia (4,2%), Itália (3,5%), Guiné Bissau (3,1%), Nepal (2,9%), China (2,7), França (2,6), São Tomé e Príncipe (2,5 %). Por continente, o maior crescimento de estrangeiros em relação a 2022 verificou-se nos cidadãos vindos de África (mais 51,2%) e da América do Sul (mais 54,2%).
Os refugiados
Relativamente aos refugiados – pessoas cujo pedido de asilo foi aceite e foram oficialmente reconhecidas como tal no país de acolhimento -, estes constituem 1,5% da população total da União Europeia. Em 2023, foram entregues 865 655 decisões de asilo, representando um aumento de 7% em relação a 2022. “As decisões tomadas em primeira instância resultaram na concessão de proteção a 358 235 pessoas, enquanto outras 51 250 receberam um estatuto de proteção após um recurso ou uma revisão”, explica a página no Parlamento Europeu.
A Alemanha foi o país da UE que concedeu o maior número de pedidos de proteção em 2023 (37% do total da UE), seguida pela França e Espanha, que em conjunto apresentaram 13% do total de pedidos em toda a UE. No mesmo ano, o maior grupo a obter proteção na UE foi o dos sírios (32%), seguido dos afegãos (18%) e dos venezuelanos (10%). Para os ucranianos esse número foi de 3%.
Desde 2022 – invasão da Ucrânia pela Rússia -, Portugal recebeu mais de 90 mil ucranianos (cerca de 44 mil no primeiro ano após a invasão por parte da Rússia e perto de 51 mil no ano passado). A partir de 2015, quando a Agência para os Refugiados das Nações Unidas (UNHCR) começou a recolher estes dados, o total de refugiados a entrar no país não ultrapassou os 2700, por ano.
Em cada um dos últimos dois anos, os ucranianos representaram mais de 75% de todos os refugiados acolhidos pelo país, já que em 2022, foram mais de 59 mil refugiados e em 2023, quase 63 mil que chegaram a Portugal com esse estatuto.
Além da Ucrânia, foram os refugiados nigerianos quem mais entrou em Portugal ao abrigo do estatuto das Nações Unidas. Foram mais de 2300 as pessoas que partiram da Nigéria para refugiar-se no país. De seguida, chegaram refugiados de Marrocos, da Síria e do Afeganistão.
Situações ilegais
De acordo com o Eurostat, Portugal expulsou 1570 migrantes em situação irregular no ano passado. Os dados divulgados pelo gabinete de estatísticas da União Europeia mostram que, em comparação com o ano de 2022 – quando tinham sido expulsos de Portugal 2195 cidadãos -, houve menos 625 migrantes a serem obrigados a deixar o país que está, por isso, integrado no grupo de Estados-membros que menos expulsa cidadãos do território da UE. Quem domina a tabela é a França com 137.730 e Alemanha, com 44.625 cidadãos expulsos. A maioria dos cidadãos obrigados a sair da União Europeia tinham origem na Argélia (7670), em Marrocos (7170), na Turquia (6545), na Síria (5400) e na Geórgia (5165).
Refugiados sírios podem ficar
Sabe-se que Portugal não fará retornar à Síria os 1243 refugiados atualmente acolhidos, após a queda do regime de Bashar al-Assad no dia 8 de dezembro. Quem o disse foi o primeiro-ministro na Assembleia da República, na sua intervenção inicial no debate preparatório do Conselho Europeu que irá decorrer em Bruxelas nos próximos dias 19 e 20. Luís Montenegro adiantou ainda que o Governo ainda não decidiu sobre a eventual suspensão de acolhimento de futuros migrantes.
“Com a queda do regime da Síria, sabe-se que há alguns países que estão predispostos ou a suspender o acolhimento de imigrantes sírios ou até a fazer retornar alguns que foram beneficiários do regime de asilo por fugirem do regime de al-Assad”, explicou o governante, referindo que não tem ainda nenhuma decisão tomada sobre o acolhimento de imigrantes sírios querendo ouvir “os países que sofrem mais pressão”.
O primeiro-ministro lembrou que o país acolhe atualmente 1243 refugiados sírios que não fará retornar à Síria. “Não vamos fazer retornar nenhum deles, assumiremos a sua integração e acolhimento”, frisou.
No que toca ao acolhimento no futuro, Montenegro explicou que, se no seio da União Europeia (UE) “houver uma evolução no sentido de as portas se irem fechando, a pressão sobre Portugal pode aumentar”. “Teremos de olhar para a nossa situação”, afirmou.
Recorde-se que vários países europeus, como Áustria, Bélgica, Suécia, Suíça, Dinamarca, Noruega e Reino Unido, já anunciaram que vão suspender a análise dos pedidos de asilo de refugiados sírios, na sequência da queda do regime do presidente sírio, Bashar al-Assad.
Portugal: um bom sítio para estudar
Sarah Valmorbida tem 25 anos e chegou do Brasil no dia 21 de setembro de 2021. Morava em Manaus / Amazonas e formou-se em Relações Internacionais. “Atualmente sou chefe de bar e sala no Ground Burger (GB) e vivo na Amadora”, começa por contar ao i. “A minha vida no Brasil nunca teve luxo… Sou filha de mãe solteira que sempre fez de tudo para que eu pudesse ter uma vida confortável, às vezes tirando do seu conforto para dar-me algo melhor. Quando me formei na faculdade no meio da pandemia, com 20 anos, e tive que pensar como poderia melhorar a minha vida e da minha mãe, decidi vir fazer uma pós graduação em Portugal”, continua, acrescentando que “era o mesmo valor que uma pós numa faculdade fora de Manaus, contando com as despesas de habitação, etc”. “Mais valia ter uma experiência fora do Brasil”, defende.
Como chegou a Portugal sem muito dinheiro (apenas o suficiente para dois meses sem trabalhar), procurou um part time para conciliar com o curso. “Eu morava perto do zoo, num quarto com aproximadamente cinco metros quadrados. Era pequeno, mas era uma região mais central e consequentemente mais fácil de arrumar trabalho perto da minha faculdade”, explica. Já tinha uma amiga a morar nesse apartamento e, por isso, quando chegou, tinha o quarto à sua espera. Começou logo a trabalhar na Ground Burger. “Acredito que tive muita sorte em encontrar um lugar que me recebeu e ajudou com a documentação. Na época era mais fácil e como eu já cheguei com documento de estudante, não foi difícil arrumar os outros documentos”, confidencia.
Ao terminar o curso a mãe interrogou-a sobre o futuro: se ficava em Portugal ou regressava à sua terra natal. “Percebi que minha qualidade de vida e meus hábitos estavam muito melhores aqui do que lá e ainda conseguia ajuda-lá. Foi quando passei para full time no GB e decidi ficar em Portugal”, afirma. Mudou-se para a Amadora um ano depois de ter chegado. “Já tinha uma vida mais estável para pagar um quarto um pouco maior e mudei para morar com amigos próximos, o que aumenta minha qualidade de vida, pois agora sinto que moro na minha casa, mesmo dividindo”, garante. “Na questão de trabalho, cheguei e já consegui um trabalho com documentação e num lugar onde consegui crescer na empresa e realmente gostar do que faço”, acrescenta.
Interrogada sobre o porquê de ter escolhido a Europa, Sara admite que sempre pensou em morar fora do Brasil. “Amo meu país, mas infelizmente a falta segurança e a desigualdade social dificulta muito a vida. Portugal é um país para o qual muitas pessoas migram e se adaptam. Claro que o facto do idioma ser o mesmo, ajuda!”, justifica. “O velho continente tem um charme maior e uma cultura de saúde e bem estar com a qual me identifico, ao contrário dos EUA, por exemplo”, sublinha.
Desde que cá está que tem “acesso a hábitos mais saudáveis”: “Faço ginásio e acabo comendo melhor, não havia percebido essa mudança até ir ao Brasil em novembro de 2022. Agora acho a comida mais pesada, apesar de continuar comendo arroz e feijão quase todos os dias”, brinca. Além disso, o seu consumo de vinho aumentou. Outra coisa que lhe agrada muito é “a facilidade de viajar para outros países”. “Desde que cheguei já conheci Madrid, Barcelona, Florença, Siena, Pisa, Porto, Serra da estrela, Nazaré entre outras cidades em Portugal”, enumera. Sara acredita ainda que só conseguiu a sua independência com 21 anos porque se mudou para Portugal. “Tenho uma vida que dificilmente teria do Brasil: vou a concertos de artistas que gosto, viajo para países que sempre quis conhecer e sou fã nº1 de Lisboa. “Acho que Portugal é completo, consegue ter praias lindíssimas, montanhas e até neve”, explica. Por isso, por enquanto, não se vê a morar fora do país. “Talvez num futuro mais distante… Agora, Portugal é a minha base e desejo ficar por muito tempo aqui”, garante.
Relativamente às barreiras culturais, a jovem brasileira explica que os brasileiros são mais afetuosos que os europeus. “Criamos laços mais rápido, somos mais receptivos… Até me acostumar com isso e até mesmo me policiar demorou um pouco. Hoje em dia tenho uma forma de estar diferente de como cheguei… Não deixei de lado minha essência, mas adaptei-me ao local”, garante.
Em busca de melhor qualidade de vida
Naydelin Palau Morales está em Portugal há oito anos, tem 47 e é natural de Morón, província de Ciego de Ávila, em Cuba. Lá, teve vários empregos: foi comercial numa empresa de eletricidade, contabilista numa empresa cárnica e também secretária geral numa empresa de pesca. “Tinha casa própria e, ao fim de semana, costumava ir à igreja e visitar a casa da minha mãe e da minha sogra”, lembra. A decisão de emigrar foi motivada por diversos fatores, mas o fundamental é “a má situação económica em Cuba”.
Naydelin já conhecia alguns países da Europa, mas não Portugal. “Quando tomei a decisão de sair do país de vez, escolhi Portugal porque tinha uns amigos que moravam aqui e ofereceram-se para me acolher no momento da chegada. Também me ajudaram a arranjar o primeiro emprego”, conta. Trabalha como mediadora sociocultural há três anos. “Antigamente no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM). Desde há um ano na Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA)”, detalha.
Mas encontrar um primeiro emprego não foi fácil. “A língua representava uma grande barreira. Arranjar trabalho foi difícil e continua a ser”, acredita.
Hoje pode dizer que encontrou em Portugal aquilo que procurava. “Já tenho a minha família comigo e um emprego similar aos que tive em Cuba, com muito melhor qualidade de vida”, garante. “A maior diferença é que com o ordenado e adequada gestão é possível viver dignamente e cobrir as necessidades básicas. Entretanto em Cuba a maior parte do tempo era muito difícil satisfazer as necessidades mais básicas embora tivéssemos bons ordenados”, lembra ainda.
Também os costumes são bastante diferentes, “principalmente a comida”. “Em Cuba as comidas são mais temperadas, sendo mais semelhantes à gastronomia brasileira. No entanto, consegui adaptar-me bastante rápido”, afirma.
O que mais a chocou não foi a diferença cultural, mas sim o clima. “O nosso clima é maioritariamente tropical e o inverno não costuma durar muitos dias. Mesmo nos dias frios as temperaturas não são muito baixas. Aqui é o contrário, o verão é muito curto e o inverno é muito frio”, defende. “Em relação à religião é diferente também, mas de uma forma positiva… Aqui são mais respeitosos e são celebradas quase todas as festas da igreja”, detalha. Neste momento, pensa ficar em Portugal já que tem vários projetos na “manga”.
Imigrar por amor
Elena Chindighilean, tem 36 anos, nasceu na Moldávia, passou lá toda a sua adolescência e mudou-se para Portugal por amor. “Aos 18 anos conheci o meu primeiro namorado – pai do meu filho -, que já trabalhava aqui em Portugal. Ele veio para a Moldávia, nós casámos e eu vim para Portugal atrás dele”, brinca. Entretanto ficou grávida do seu primeiro filho e arranjou trabalho nas limpezas. “Nessa altura não sabia falar português e, por isso, era complicado”, lamenta. Passado uns tempos, conseguiu outro emprego num salão de cabeleireiro. “Lavava as cabeças e daí, acabei por me tornar cabeleireira”, conta. Está em Portugal há 18 anos.
Segundo Elena, Portugal é um país muito diferente daquilo a que estava habituada. “O que mais gostei foi da liberdade de expressão e também a mentalidade. É mesmo muito diferente. Também adoro a gastronomia portuguesa, as praias… Na Moldávia só há rio”, aponta. “Lá no nosso país não podes falar muito no trabalho, dizer o que gostas e o que não gostas… És logo despedida. Não tens direito de dar opiniões”, admite.
Os seus filhos já cá nasceram e Elena já tem Cartão de Cidadão português e o seu próprio salão. “Nunca mais regressei ao meu país. Também não lá tenho quase família nenhuma”, explica. “Nunca me vou esquecer das oportunidades que Portugal me deu. Nunca me senti discriminada! Tenho uma qualidade de vida muito diferente e sou muito grata por isso”, garante.
Enganado e “abandonado”
Mas infelizmente, e como sabemos, nem todos os cenários são cor-de-rosa. Antes da Câmara Municipal de Lisboa retirar todos os sem-abrigo do Jardim da Igreja dos Anjos, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, muitos eram os imigrantes em situação ilegal que ali “moravam” e que chegaram a Lisboa com a promessa de trabalho, descobrindo depois ter sido enganados.
Em abril, o Nascer do SOL, foi em reportagem e conheceu Djibril Faye, de 26 anos, que fez questão de contar a sua história com ajuda de um tradutor. Na altura, o jovem senegalês estava em Portugal há dois meses. Começou por partilhar o quão o seu país era difícil e que nunca pensou que conseguisse sair de lá. “Também nunca pensei que as dificuldades me iriam empurrar para o mar”, afirmou. “Enfrentei a morte para poder ajudar a minha família. O meu pai está doente. Não conseguia levantar-me todos os dias e ver que não podia fazer nada para ajudar”, explicou.
Djibril Faye viajou do seu país de origem até Las Palmas. De lá, seguiu para Granada, mas as coisas não correram bem. Não conseguia encontrar emprego. Disseram-lhe que Portugal seria uma boa opção. “Disseram-me que os portugueses eram bastante humanitários”. Para conseguir comprar a viagem para a Europa, o jovem trabalhou durante vários meses. Separou um pouco para deixar para a sua mulher e para o seu pai. “Paguei 300 mil francos para conseguir vir para a Europa. Foram 8 dias muito complicados. No final, já não havia comida. No mar tu não vês nada. Houve pessoas que começaram a delirar, uma até morreu”, descreveu o jovem. Além disso, de acordo com Djibril Faye, a água senegalesa e a espanhola são bastante diferentes. As águas espanholas são “muito salgadas” e, ao atingir a pele com os saltos do barco, criavam feridas nos braços.
Na altura da entrevista, Djibril morava numa tenda e assegurava que as noites “não eram agradáveis”. Eram tantas pessoas na Igreja dos Anjos que, para que todos ficassem abrigados, uma tenda chegava a levar três ou quatro pessoas, “o que depois impedia as pessoas de se levantarem a meio da noite para ir à casa de banho”. Apesar do cenário precário, o jovem senegalês agradeceu os movimentos solidários do país. “Agradeço a toda a gente que aqui vem e conversa connosco. A única coisa que eu quero é sair desta tenda”, reforçou. Esperemos que isso já tenha acontecido.