Os resultados dos testes TIMSS-2023 recentemente divulgados não trouxeram notícias auspiciosas. O teste internacional, que avalia conhecimentos em Matemática e Ciências de alunos dos 4.º e 8.º anos de escolaridade em participantes de cerca de 50 países, revelou principalmente duas coisas (focando-nos no 8.º ano): (a) O resultado médio dos estudantes portugueses caiu 25 pontos face ao último teste realizado em 2019 para um valor ligeiramente abaixo da média global, a maior queda entre todos os países europeus participantes no estudo; (b) Apenas 4% dos estudantes tiveram um desempenho classificado como ‘avançado’ (score igual ou superior a 625), posição que, na Europa apenas supera a França, e que compara com uma fração mediana global de 7%. (Por causa da ‘preguiça’, este valor na Turquia foi de 17%).
Certamente que alguma parte da queda se deveu à covid-19 (e também ao modo como se geriu a pandemia, pois, interessantemente, a Suécia, que como nos recordamos teve uma abordagem mais liberal ao confinamento, registou um aumento de 15 pontos na média). Mas o confinamento não pode explicar tudo, pois a queda não foi universal e em Portugal foi mais acentuada do que noutros países que adotaram abordagens igualmente restritivas face à pandemia.
Acredito que, por detrás, estará algo mais profundo e estrutural. Talvez o relato de uma experiência pessoal ajude a esclarecer a razão da minha suspeita. Passados 15 anos votei a lecionar um curso de métodos quantitativos ao nível da licenciatura. A minha Faculdade é geralmente considerada a melhor do país e os estudantes são admitidos com notas elevadíssimas (tendo Matemática como a única prova específica). Foi, pois, com surpresa que pude constatar o baixíssimo nível de conhecimento matemático e, mesmo, de cultura quantitativa básica da generalidade dos alunos. Num caso particularmente caricato, um aluno queixou-se durante um exame, onde tinha proibido calculadoras ou computador, que não era obrigado a saber dividir 6 por 2,9 à mão.
Com esta nota pretendo ilustrar dois pontos. Em primeiro lugar que, para além do que nos dizem os testes internacionais, a deterioração da aprendizagem da Matemática (e, presumo, das Ciências) é um processo muito anterior à covid. Depois, que ‘deficiências’, ainda que pequenas, presentes cedo nos processos formativos têm efeitos que perduram no tempo. A causa desta situação é, no essencial, o laxismo: pouca exigência nos conteúdos, pouco rigor na aprendizagem e complacência com resultados medíocres.
Ao laxismo juntar-se-á, também, algum desnorte sobre o que é ‘ensinar’ e ‘aprender’ nesta era de (sobre) abundância de informação. Quando podemos ‘googlar’ tudo – factos, definições, teoremas, exemplos ou ensaios – e quando aplicações de IA geram respostas que parecem humanas, é fácil descrer no valor do conhecimento. Bastará, supõe-se, saber que as coisas existem – que, por exemplo, existe algo chamado teorema de Pitágoras – e saber onde e como procurá-las. Só que informação e conhecimento são coisas muito distintas, e informação sem conhecimento é como navegação sem bússola.
E qual é a importância disto tudo? Abundantes estudos empíricos seccionais indicam que existe uma relação forte e causal entre os resultados de testes cognitivos internacionais (tipo TIMSS ou PISA) e o rendimento per capita: melhores scores, maior crescimento económico nas décadas subsequentes. E, igualmente importante, mostram, ainda, que a relevância explicativa dos resultados nestes testes supera a do número de anos de escolaridade da força de trabalho. Ou seja, ter as gerações mais educadas de sempre importa menos para a prosperidade da nação se não souberem nem Matemática nem Ciências.