Argentina: Primeiro ano de Milei entre a dificuldade e a esperança

Javier Milei é Presidente há um ano. A sua filosofia renovadora, aliada ao temperamento disruptivo, marcam um virar de página na Argentina. A economia do país, que estava afogado em inflação e com défices sucessivos, parece voltar a respirar e a esperança nunca foi maior.

Cumpriu-se um ano desde a chegada de Javier Milei à Casa Rosada. A eleição do Presidente argentino foi um claro virar de página no panorama político do país, que apresentava indicadores económicos alarmantes – principalmente uma inflação galopante que condenou uma boa parte do país à indigência. A escolha de um académico controverso, cujas performances em programas televisivos lhe valeram o apelido de ‘El Loco’, levantou muitos pontos de interrogação.

Autoproclamado libertário e anarcocapitalista, Milei concorreu com base nas ideias de pensadores e economistas como Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Murray Rothbard e outros nomes associados à Escola Austríaca de Economia. Algo novo. Uma espécie de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, mas em esteroides.

Javier Milei garantiu, desde cedo, que a Argentina estava doente e necessitava de uma terapia de choque para voltar a ser grande novamente. Um slogan que soa familiar. Com uma margem de manobra apertada, o Presidente arregaçou as mangas e não perdeu tempo. Após um ano, a sua presidência tem sido um fenómeno mundial: inspirador das direitas e carrasco das esquerdas, o alcance e influência de Milei são inegáveis.

Contudo, uma linha de ação deste género encontra sempre resistência, principalmente num país historicamente embebido numa cultura de esquerda – começada por Juan Perón e continuada pela família Kirchner –, mas estarão as reformas radicais a surtir efeito? Vamos aos dados.

Antecedentes

Não é possível falar da presidência de Milei sem antes perceber a situação aflitiva em que se encontrava o país. Uma das nações mais ricas e desenvolvidas do mundo no início do século XX, a Argentina entrou numa espiral descendente que se agudizou nas últimas décadas. Foi o único país, na história económica recente, a perder o estatuto de nação rica e a cair para o leque de nações de rendimento médio, como apontou a revista The Economist.

As máquinas de imprimir dinheiro do Banco Central argentino trabalhavam a todo o gás como consequência do excessivo gasto público levado a cabo pelos anteriores governos, e o resultado de uma política económica deste género ficou à vista: uma inflação descontrolada e uma queda nos níveis de vida que relegou para a pobreza milhões de argentinos. Manuel Adorni, porta-voz do Presidente, chegou a afirmar que as administrações anteriores deixaram o país «com quase todos os habitantes pobres». O controlo de preços era também uma imagem de marca das administrações precedentes.

Milei herdou a inflação mensal mais alta da última década, estando situada nos 25,5%. Desde 2014, o mais alto valor mensal registado tinha sido de 12,7%, em setembro de 2023. A pobreza afetava cerca de 40% dos argentinos. A confiança dos mercados era escassa. O desespero era real. Por outras palavras, o peronismo, outrora dominante no país, foi vencido pelo desgaste e Javier Milei tornou-se no Presidente mais votado da história democrática argentina.

O fim da decadência

Logo após a vitória sobre o ex-ministro da Economia, Sergio Massa, Milei garantiu que era o «início do fim da decadência» argentina. O gasto público foi reduzido em cerca de um terço, a motosserra entrou imediatamente em vigor com a redução do número de ministérios de 18 para 9 e o défice foi controlado, chegando até a atingir excedentes.

Feitos notáveis que a The Economist, uma das mais conceituadas revistas de assuntos económicos, não deixou passar em branco. «A burocracia foi queimada, libertando mercados que vão desde o aluguer de casas até às companhias aéreas. Os resultados são encorajadores. A inflação mês a mês caiu de 13% para 3%. A avaliação do risco de incumprimento por parte dos investidores caiu para metade. A economia, que estava a ser afetada, está a dar sinais de recuperação», notava a revista numa peça recente. Segundo a projeção da Bloomberg Economics, a economia argentina será a que mais vai crescer no ano de 2025, com uma grande margem de diferença, e ultrapassará até a média global.

Milei está a servir de farol para a direita mundial, mas, e independentemente dos rótulos que lhe possam ser atribuídos, os paralelos não abundam, principalmente no que à economia diz respeito. O libertário é um fenómeno novo nesta conjuntura internacional. Por outro lado, no campo da chamada ‘batalha cultural’, Milei está alinhado com Donald Trump, Viktor Orbán ou Giorgia Meloni, numa cruzada contra a cultura woke. Assim, a filosofia do livre mercado, onde o indivíduo ganha importância em detrimento do Estado, ganha um novo alento. Não deixa de ser irónico que as ideias de Thatcher voltem à política de alto nível pela mão de um argentino.

Porém, nem tudo é um mar de rosas. Nem poderia ser. Tampouco o Presidente escondeu a realidade em qualquer momento. O ajuste carrega consigo fortes consequências sociais e a pobreza aumentou, mas as taxas de aprovação de Milei nas camadas mais pobres, que se encontra nos 40%, mostra que há esperança.

O ‘El Loco’ pode ser um marco histórico na política argentina e mundial. Como o próprio disse, «a diferença entre um génio e um louco é o êxito». Para já, as projeções parecem animadoras.