Num país onde as decisões estratégicas são adiadas, porque cada novo governo reverte o que fora determinado pelo anterior, é entendível que o atual executivo tenha decidido manter o que estava decidido relativamente ao novo aeroporto de Lisboa e à Alta Velocidade. E afirmo-o, apesar de discordar da localização e da dimensão da opção Alcochete, que, se passar o crivo do impacto ambiental, não estará operacional antes de 2050.
Continuo a pensar que a opção Portela/Montijo era mais interessante. Um dia responsabilizaremos a falta de sentido de Estado de Rui Rio, que inviabilizou a solução de Passos Coelho que António Costa pretendia manter.
Recordo que, para a Alta Velocidade, está prevista, e já em curso, a construção de uma nova linha ligando Lisboa ao Porto e daí até Vigo, em condições de interoperabilidade com a linha do Norte e as suas várias derivações transversais. A opção pelo novo aeroporto de Lisboa na margem esquerda do Tejo, que impõe uma terceira travessia, justifica que essa linha do Norte seja complementada, a sul, com uma ligação ao aeroporto, integrada na ligação de Alta Velocidade Lisboa-Madrid. Esta última linha, sublinhe-se, pode não ter procura que a justifique, mas satisfaz as ambições das duas capitais.
Eis senão quando aparecem os engenheiros lobistas, mascarados de especialistas, a defenderem que a nova linha Porto-Lisboa já não deve ser direta. Propõem que, em vez de passar por Leiria, a linha atravesse o Tejo em Santarém, siga pela margem esquerda e faça escala no novo aeroporto em Alcochete, antes de rumar a Norte para entrar em Lisboa pela nova travessia. Em suma, defendem que quem do Porto rumar à capital esteja condenado a ir primeiro até ao aeroporto de Alcochete, antes de rumar a Lisboa.
A estes autodenominados especialistas não posso deixar de colocar algumas perguntas. Querem aumentar a distância e o tempo entre Lisboa e o Porto, contrariando o principal objetivo da nova linha de Alta Velocidade? Sabem que essa opção inviabiliza a conectividade da rede, na ligação à linha do Oeste? Querem desperdiçar todo o investimento já realizado na quadruplicação da linha do Norte entre Lisboa e o Carregado? Ignoram que infletir a linha de Leiria para leste resulta numa redundância, porque Santarém está bem servida pela linha do Norte e porque a importância de Leiria, que hoje não tem comboio e pode passar a ter, é muito maior? Não entendem que só a triangulação em percursos alternativos em torno de Lisboa ajudará a descongestionar a respetiva Área Metropolitana?
Apetece perguntar a estes vetustos senhores: em que país vivem? Sabem que há vida e gente fora de Lisboa? Têm noção do ridículo?
O que este lóbi pretende é claro, evidente e descarado: aumentar artificialmente para Norte a área de captação de passageiros do excêntrico aeroporto que nos impingiram.
Acredito que o Governo não irá cair na esparrela e alterar o que está em curso. Mas, face a este poderoso lóbi, entristece-me o silêncio das instituições da sociedade civil que, durante décadas, estudaram a questão da infraestruturação harmónica do território e defenderam opções estratégicas para a ferrovia e a Alta Velocidade. Deste modo, combateram a visão centrípeta dos que imaginam que o resto do país mais não é do que um incómodo arrabalde da capital.
Essas instituições abdicam de agitar as águas por desconhecimento, por outras ambições e dependências, ou por falta de coragem? Se e quando tudo estiver perdido, ouviremos os seus lamentos. E, nessa altura, já será tarde.
O silêncio das carpideiras
Apetece perguntar a estes vetustos senhores: em que país vivem? Sabem que há vida e gente fora de Lisboa? Têm noção do ridículo?