A vida dos Esquilos da Compañia del Monte

Fabricada para favorecer as equipas da Europa, a Intercontinental traz-nos clubes curiosos.

Inevitavelmente, o Real Madrid venceu mais uma Taça Intercontinental, batendo na quarta-feira os mexicanos do_Pachuca por 3-0, com golos de Mbappé, Rodrygo e Vinicius Jr (este de grande penalidade). A verdade desportiva desta prova está moribunda há décadas a fio, tantas as tropelias de que foi sendo vítima depois de, nos anos 60 e 70, ter despertado o interesse mundial com jogos entre o vencedor da Taça dos Campeões Europeus e da Copa Libertadores disputados a duas mãos. O primeiro golpe foi quando o Bayern de Munique se recusou a defrontar o Independiente da Argentina. No seu lugar foi o finalista, Atlético de Madrid, que acabou por arrebanhar o troféu. Ora, um clube que nunca foi campeão da Europa exibir nas suas vitrinas uma Taça Intercontinental é uma aberração. A machadada foi forte e arrefeceu o interesse popular. Poucos anos depois, a Taça Intercontinental passou a ser dirimida numa única partida, com lugar em Yokohama, no Japão. Em Portugal, tirando as presenças do FC_Porto em 1987 e 2004, as transmissões das compitas pela madrugada adentro passaram a ser ignoradas. Em Portugal e em muitos outros países do mundo. Mais uma cabriola: com a ascensão ao poder dos árabes no futebol, as últimas edições, já com espaço para os campeões da Ásia, da África e da América do Norte, Central e Caraíbas, cuja ausência destruía a ideia de um campeonato do mundo de clubes que começava a ganhar força, passou a haver lugar para um provazinha em forma de taça, jogada em Riade ou, como foi este ano o caso, no Estádio de Lusail, aquele monstro no Qatar que foi palco da última final do Mundial. E aqui entra a vergonha de fazer corar um carroceiro. Enquanto o Al Ain, o Al Ahly, o Botafogo e o Pachuca começaram os embates no dia 11 de dezembro, o Real teve direito a ir para a final direto, vá lá saber-se porque outro critério que não seja o de ser real. Com todas as vantagens daí inerentes, claro!

Da Cornualha para o México

Os mexicanos do_Pachuca foram obrigados a três jogos, por seu lado. Bateram um Botafogo com os bofes de fora após a semana louca da vitória na Libertadores e no Brasileirão (3-0), afastaram em seguida o Al Ahly, do Egito, no desempate por grandes penalidades, antes de serem derrotados por decreto pelo tal Real que só teve de dar uma saltada ao Qatar e voltar a Madrid com mais uma taça nas mãos.

Honra portanto ao Club de Fútbol Pachuca, fundado no dia 1 de novembro de 1892 por um grupo de mineiros ingleses vindos da Cornualha para foçarem nos buracos abertos pela Compañia Real del Monte y Pachuca. Pachuca de Soto é a capital do Distrito Federal de Hidalgo, no centro do país, conhecida por La Bella Airosa. Os primeiros tempos do futebol em Pachuca foram puramente amadores, assim muito ao estilo de ingleses contra ingleses, empregados de empresas britânicas contra outros seus congéneres. Francis Rule, um mineiro com sorte, que descobriu um imenso filão de prata e ficou rico como Cresus, e Alfred Charles Crowle, já nascido no México e primeiro selecionador da seleção mexicana, foram os ideólogos do clube. Em seguida a estrada foi percorrida ao ritmo da absorção e da fusão. Ao Pachuca inicial somaram-se o Pachuca Cricket Club e o Velasco Cricket Club, renascendo o Pachuca Athletic Club. Não contentes, Francis e_Alfred, contactaram vários outros clubes que tinham começado a surgir de forma a criarem a Liga Mexicana de Football Amateur Association, e terem finalmente um campeonato para jogar. E, como seria de esperar, o Pachuca foi o primeiro dos campeões, na época de 1904-05, cumprem-se agora cento e vinte anos. Não me venham dizer portanto que é um clube sem História. Está, pelo contrário, na génese do futebol mexicano.

A Revolução Mexicana do início dos anos 20 destruiu as grandes fortunas dominadas por estrangeiros. As minas entraram em crise. O Pachuca, o clube dos mineiros, ressentiu-se como poucos. A maioria dos seus jogadores fugiu para a Cidade do México. Veio a dissolução. Um deserto que durou vinte e oito anos. Em 1950 voltou à vida, participando na II_Divisão mexicana. Os danos tinham sido excessivamente graves. Voltou a desaparecer dois anos mais tarde.

Em 1960, o Club de Fútbol Pachuca voltou ao mundo. Abandonou as antigas camisolas pretas e brancas, tão do gosto dos ingleses, e passou a vestir de azul e branco. 1967-68 foi uma época festiva: primeira participação na I Divisão. O futuro vinha aí. Os seus jogadores e adeptos ganharam a alcunha de tuzos, esquilos. Afinal os esquilos, como os mineiros, enfiam-se em buracos. Até 1972-73, a vida foi tranquila, sem altos nem baixos. Dá-se a recaída: II_Divisão outra vez. Muitos acreditaram que o clube não iria recuperar do desastre. Enganaram-se redondamente.

Em 1998, o Pachuca voltava à I e, daí por diante, o seu crescimento teve um ritmo avassalador. Chamaram-lhes Os_Anos Dourados. No dia 19 de Dezembro de 1999, comandados pelo treinador Javier Aguirre, atual selecionador mexicano, os esquilos venceram o_Cruz Azul na final do campeonato que era decidida em dois jogos, casa e fora. Campeões! Finalmente. Mas não ficariam por aí. Seguiram-se mais quatro títulos mexicanos, quatro Taças da CONCACAF, uma Copa_Sudamericana, uma North American Superleague. Espalhavam a sua aura triunfante da América do Norte à América do Sul. No peito, com orgulho, os seus jogadores exibem o emblema que representa o Sino Monumental da Torre de Pachuca, erguida para comemorar o centenário da independência. Quarta-feira, no confronto injusto de Lusail, os esquilos podem ter perdido o jogo. Mas não terão, certamente, perdido esse tão merecido orgulho. Não combateram com armas iguais.