Natal e Família: a espinha dorsal da civilização ocidental

Enquanto houver uma família reunida, entre o presépio e a árvore, em torno de uma mesa na noite de Natal, os novos bárbaros não poderão cantar vitória

No âmago do âmago da nossa civilização ocidental, no seu cerne mais íntimo e mais profundo, encontramos uma manjedoura numa gruta. Um pai e uma mãe ajoelhados. Pastores e os mais humildes entre os humildes, de joelhos depositando as suas magras ofertas aos pés do recém-nascido. A caminho, guiados por uma estrela mais brilhante do que as demais estrelas do céu, vindos do longínquo Oriente, três reis encontram-se a caminho. Ouro, incenso e mirra nos seus alforges. Sim: pequenos e grandes deste mundo tinham marcado encontro com a transfiguração da História, sem o saberem, há mais de dois mil anos, numa aldeia perdida da Galileia.
Algures também no tempo, centenas de anos depois, nas florestas do Norte cobertas de neve, um pobre lenhador, naquele solstício de inverno em que a noite era mais longa e o frio mais agreste, não tinha o que pôr na mesa para comemorar o nascimento daquele menino de Belém. Mas eis que, olhando, amargurado, pela janela, viu um pinheiro brilhar na noite. Abriu a porta, saiu de casa e então viu que nesse pinheiro tinham nascido muitos, diversos e raros frutos. E o pobre lenhador e os seus filhos tiveram, assim, um sumptuoso jantar de Natal.
Presépio e árvore de Natal simbolizam e encarnam as duplas raizes da nossa civilização ocidental. A raiz mediterrânica greco-latina e cristã e a raiz nórdica, raízes que se profundamente se entrelaçaram para darem origem ao tronco, às flores e aos frutos da mais brilhante civilização que o mundo conheceu. A nossa, digo-o e atesto-o sem reservas e sem temor. Sim, essa civilização única e irreproduzível que nasceu desta simbiose entre o azul profundo das costas do Mediterrâneo e o verde a perder de vista das florestas do Norte. A civilização que nos deu Wagner e o Anel dos Nibelungos e Vivaldi e as suas Quatro Estações, obras tão diversas na sua estrutura, sombria uma, luminosa a outra, mas tão semelhantes na força da inspiração que lhes deu forma.
Ao longo de centenas e centenas de anos, um ano atrás do outro, imutavelmente, milhões de famílias celebraram esta redenção da História centrada na manjedoura da Galileia. E esta celebração foi e é, também, a celebração dessa realidade mais forte do que qualquer outra, a família. Mais do que em qualquer outro momento, ali se vive e se resume essa sequência de gerações que representa a rede capilar da nossa milenar cultura. Os lugares da mesa da ceia de Natal são bem o símbolo de uma realidade essencial: a da sequência das gerações numa mesma família. Nessa mesa, os lugares da geração que seguiu o seu caminho são ocupados pela geração que se segue e na outra ponta da mesa tomam lugar os que foram chegando. Todos vamos começando numa ponta e acabamos nas cabeceiras até ao dia em que deixaremos o lugar aos que se seguem. Pelo caminho ficou a transmissão essencial dos valores e dos conhecimentos que constituem a argamassa da nossa civilização.
Natal e Família são realidades indissociáveis e são a espinha dorsal da nossa civilização ocidental e cristã. É forte a tempestade que sopra sobre um e sobre a outra porque, destruídos ambos, tudo o mais desmoronará em muito pouco tempo. Mas enquanto houver uma família reunida, entre o presépio e a árvore, em torno de uma mesa na noite de Natal, os novos bárbaros não poderão cantar vitória. E não passarão.