Moçambique a ferro e fogo

Venâncio Mondlane avisou que os próximos dias seriam difíceis. Os seus apoiantes cumpriram, levantaram barricadas, incendiaram esquadras, fizeram pilhagens e entraram em violentos confrontos com a polícia, de que resultaram 126 mortos em três dias

O anúncio dos resultados oficiais das eleições gerais realizadas a 9 de outubro confirmaram a eleição de Daniel Chapo como Presidente da República e a maioria absoluta da Frelimo no Parlamento. O Conselho Constitucional de Moçambique anunciou que Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo, obteve 65,17% dos votos, Venâncio Mondlane, candidato do Podemos, conseguiu 24,19%, o líder da Renamo, Ossufo Momade, alcançou 6,62% e o líder do MDM, Lutero Simango, conseguiu 4,02%.
Sem perder tempo, Venâncio Mondlane e Ossufo Momade disseram que não reconhecem os resultados oficiais e reforçaram a ideia de que o ato eleitoral foi fraudulento e que é um regime ilegal.
Daniel Chapo sucede no cargo a Filipe Nyusi e, no discurso de vitória, afirmou que «um novo capítulo da nossa história vai começar». «Somos uma nação forte e resiliente, por isso vamos juntos e em harmonia vencer as atuais adversidades e construir a Pérola do Índico que tanto sonhamos. Este país pertence a todos moçambicanos, independentemente da origem étnica, racial ou religiosa», continuou. Mais tarde, o novo Presidente moçambicano fez um apelo: «Cabe a cada um de nós zelar pela paz». Chapo falou em união sem ódio entre irmãos e prometeu reformas e diálogo com os partidos políticos. «Asseguro que a vossa voz foi ouvida e vamos trabalhar. O diálogo vai permitir reforçarmos a democracia. Só seremos uma nação se soubermos ouvirmos uns aos outros», salientou.
Com o anúncio da vitória de Daniel Chapo, o candidato apoiado pelo Podemos, Venâncio Mondlane, perdeu a possibilidade de chegar à Presidência da República e como não é líder do partido o seu futuro político está comprometido, pelo que não tem nada a perder. Pediu aos apoiantes que continuassem com as manifestações «pois está provado que este é um regime ilegítimo e terrorista» que «está a massacrar o seu próprio povo», disse, e subiu o tom das ameaças ao falar numa «revolta popular» caso o Conselho Constitucional de Moçambique aprovasse os resultados anunciados a 24 de outubro, o que veio a acontecer na segunda-feira.

Regressa a violência
No final desse dia, estava lançado o caos, anunciado por Mondlane, em alguns bairros da capital Maputo, em Nampula, Beira e Matola. Há registo de vários armazéns e lojas na periferia de Maputo saqueados e vandalizados, de onde foram roubados bem alimentares que se destinavam a abastecer os mercados da capital. Houve também bloqueios nas principais artérias de algumas cidades, que começaram a ser levantados por elementos da Frelimo, os postos fronteiriços foram arrancados, incendiaram esquadras e carros da polícia e queimaram camiões que transportavam bens e produtos. Tudo isto motivou um ataque violento da polícia, que voltou a usar gás lacrimogéneo e a disparar balas reais contra os manifestantes.
Desde segunda-feira, dia em que começou a nova onda de protestos, morreram, pelo menos, 126 pessoas, e 224 foram baleadas, esses dados foram avançados pela Organização Não-Governamental Decide; já o ministro do Interior, Pascoal Ronda, falou em 21 mortos. Desde que começaram as manifestações pós-eleitorais morreram, pelo menos, 252 pessoas, 569 foram baleadas e há seis desaparecidos. A instabilidade criada gerou um sentimento de medo generalizado e a maioria dos moçambicanos não sai de casa. Maputo é uma cidade deserta, sem transportes públicos, com as lojas e restaurantes encerrados e a generalidade das empresas e instituições públicas fechadas. Os raros supermercados que abriram têm longas filas de pessoas à porta. Num registo mais moderado, Venâncio Mondlane voltou a usar as redes sociais para pedir aos seus seguidores que não vandalizassem bens públicos e privados, e que deviam impedir a destruição de infraestruturas de modo a evitar o estado de emergência.
Os protestos têm levantado outro problema que é a assistência médica no Hospital Central de Maputo. Os profissionais de saúde não conseguem aceder ao hospital e a outras unidades de saúde, e as ambulâncias também não conseguiram passar devido aos bloqueios das vias. «Muitos doentes que nos procuram estão em situações críticas, precisam de tratamento urgente. Se não tivermos equipas disponíveis não conseguiremos tratar», frisou Mouzinho Saíde, diretor daquela unidade. Na Beira, a estrada de acesso ao aeroporto internacional foi bloqueada pelos manifestantes. «Não há transporte de passageiros, os mercados estão fechados e ninguém pode circular de carro», declarou um residente.

Jihadistas à solta
A situação em Maputo parece descontrolada como se verificou com o motim na prisão de máxima segurança da Machava, perto da capital, que provocou 33 mortos e a fuga de 1.534 reclusos. Cerca de 150 foram recapturados pela polícia, mas ainda há muita gente perigosa à solta. Entre os fugitivos estão 30 jihadistas ligados a grupos armados que atuavam em Cabo Delgado. As autoridades apresentaram justificações diferentes, o que revela bem o caos que existe na capital. A ministra da Justiça, Helena Kida, afirmou que a rebelião começou no interior da prisão, ao passo que Bernardino Rafael, comandante da Polícia da República de Moçambique, disse que a ação foi preparada pelos manifestantes, que instigaram os prisioneiros. Vídeos publicados nas redes sociais mostraram centenas de presos a fugir da prisão, alguns com armas retiradas aos guardas.
A União Europeia (UE) reagiu à situação política e, num comunicado, mostrou estar «extremamente preocupada» com a onda de violência despoletada pelos resultados eleitorais em Moçambique. «Apelamos igualmente à responsabilização e à justiça para se resolver os casos de violação dos direitos humanos», podia ler-se nesse comunicado.
Entretanto, o candidato derrotado assestou baterias contra os governantes portugueses por terem reconhecido a Frelimo e o seu candidato presidencial como vencedores das eleições. «É lamentável que o Presidente da República e o primeiro-ministro português tenham confirmado ou felicitado a Frelimo e o seu candidato em função de resultados altamente problemáticos, falaciosos e adulterados que foram proclamados pelo Conselho Constitucional. É lamentável. Um país que achávamos que podia ser a entrada de Moçambique para Europa, para que fossem nossos porta-vozes para alcançarmos a paz» escreveu Venâncio Mondlane, na sua conta do Facebook.
Entretanto, Albino Forquilha, presidente do partido que apoiou Venâncio Mondlane, disse que os deputados do Podemos eleitos para a Assembleia da República vão ocupar os seus lugares no parlamento, apesar de não concordar com a decisão do Conselho Constitucional.
A instabilidade política e social em Moçambique tem reflexos no país vizinho, sobretudo a nível económico. O Governo sul-africano pediu um «diálogo urgente» para acabar com a violência que está a ter graves consequências para a indústria devido à interrupção das operações logísticas no porto de Maputo.